Carla Hossri: Diretora, pesquisadora, professora, dramaturga, doutora, autora de cinco livros indispensáveis pro teatro brasileiro, tradutora e, agora, ainda é cineasta! É claro que eu tô falando da Neyde Veneziano, que foi nossa professora de História do Teatro Brasileiro e é uma das pessoas mais queridas da classe artística brasileira que eu conheço. Mestra, seja muito bem-vinda!
Neyde Veneziano: Oi, gente! Brigada pelo convite, pela ideia da gente fazer essa… essa entrevista ou esse bate-papo. Eu tô adorando tudo isso! Acho que é superimportante o trabalho que vocês estão fazendo, vocês estão de parabéns. Vocês são um grupo que deixa a gente animado com o futuro da classe teatral. Eu acho que vocês são os meus pares, é isso que eu quero na vida: mais uma vez ficar ao lado de vocês.
Carla Hossri: Que bom, querida!
Ana Célia Padovan: Obrigada, Neyde!
Carla Hossri: A gente tá ansiosa pra ouvir você! Ansiosas e ansioso, né, João André? Mas, primeiro, eu gostaria de apresentar a turma que vai te entrevistar, tá bom?
Neyde Veneziano: Tá.
Carla Hossri: A Ana Célia, que foi sua aluna – aliás, todos aqui foram alunos da Neyde Veneziano -. Ela é atriz, formada na primeira turma de Artes Cênicas da UNICAMP, e é professora de teatro. Tem a Daniele Pimenta, que não pode estar aqui hoje, mas nos ajudou a confeccionar o roteiro e colaborou com perguntas. A Daniele Pimenta é atriz e professora da Universidade Federal de Uberlândia, com pesquisas dedicadas ao Circo e ao Circo-Teatro. O João André, que é o bendito fruto entre as mulheres. João André Garboginni, é doutor em artes cênicas pela UNICAMP e foi professor da PUCCAMP, que é a PUC de Campinas, por 16 anos. E a nossa querida Mônica Sucupira, que é atriz e diretora, graduada em Artes Cênicas pela UNICAMP, coordenadora da Cia. da Hebe e tem experiência em roteiro, rádio, poesia, educação e preparação de elenco. Bom, são esses que vão te provocar, que vão perguntar pra você, viu, Neyde?
Neyde Veneziano: Tá… que medo, tudo doutor, tudo famoso…
Mônica Sucupira: Menos eu!
Neyde Veneziano: Não, todo mundo.
Mônica Sucupira: Posso começar?
Carla Hossri: Pode!
Neyde Veneziano: Vamo lá, vamo lá! Escuta, não tá dando muito delay, não, comigo?
Mônica Sucupira: Não, tá superbom.
Carla Hossri: Tá bom.
Mônica Sucupira: Tá?
Neyde Veneziano: Brigada!
Mônica Sucupira: Oh, Neyde, eu vou fazer uma pergunta pra você, que é de interesse da Dani, que não tá aqui hoje, né? Que ela colocou essa pergunta pra você, então eu vou usar a palavra dela: Você começou sua trajetória no teatro estudantil de Santos, seu grupo tinha algumas pessoas famosas hoje, como Ney Latorraca, Jandira Martini e alguns outros. Qual que é a importância desse grupo na sua vida e no panorama do teatro paulista, naquela época e pra hoje?
Neyde Veneziano: Tá! Então, assim, eu sou santista, obviamente, né? Por isso que eu comecei no grupo de Santos e… houve dois grupos. E eu vou ter que falar dos dois, porque os dois foram importantíssimos! O primeiro grupo é do final da década de 60, quando a gente tava na faculdade, e ele se chamava Teatro Escola da Faculdade de Filosofia, que é o TEFF. Esse grupo foi muito engraçado porque a Jandira e eu, a Jandira Martini e eu, e a Eliana Rocha estudávamos no Colégio São José, a gente tava fazendo o curso Clássico, né? E aí, a gente entrou na faculdade, a Eliana entrou pra Direito, eu e a Jandira entramos na mesma classe, pra fazer Letras Neo Latinas. Mas, nós já tínhamos um grupo de declamação, porque nós éramos loucas, a gente… naquela época, tinha os jograis de São Paulo e a gente tinha uma versão feminina dos jograis de São Paulo, mas, não era pouca coisa, a gente declamava pra todas as pessoas importantes que apareciam em Santos, tinha a Margarida Lopes de Almeida, que era uma declamadora famosa na época, e a gente foi fazer pra ela, teve um jantar do Lyons… então, a gente era metida já, naquela época! Aí, quando entramos na faculdade, teve um show de calouros e, obviamente, nós pegamos pra nós a direção do show dos calouros, eu e a Jandira. E aí, a gente convidou o Ney Latorraca pra participar, porque ele era nosso amigo e ele estudava num outro colégio, ele estudava no Colégio Canadá. A gente tava, agora, saindo do Colégio São José, que era de freiras, e indo pra faculdade de letras, que era… hoje é Universidade Católica de Santos, né? E, quando a gente entrou no primeiro ano, então, depois desse show de calouros, aparece o Soffredini na nossa classe, convidando quem queria participar do TEFF, que era o Teatro Escola da Faculdade de Filosofia. Esse grupo já existia, mas nunca tinha vingado, assim… eles faziam experiências e não dava certo. E, aí, nós entramos, assim, no primeiro mês do primeiro ano da faculdade, e fomos lá conversar com o pessoal do TEFF. O Ney ainda não estava, depois o Ney entrou. E, aí, a gente… então, tinha o Ney, tinha o Soffredini, tinha a Jandira, tinha o Rubens Ewald, tinha o Perito Monteiro. Porque a gente ficou chamando gente pra montar, porque… pra montar. Nós fizemos… a primeira montagem ia ser um Thornton Wilder, “Pela pele dos nossos dentes”. Não saiu, aí, não deu nada certo. Aí, então, a Jandira e eu, combinamos de fazer o Auto da Barca do Inferno, porque a gente queria. Eu fui o Diabo, a Jandira dirigiu, o Soffredini foi o… o cara lá, como é que chamava? O cara da corte, que chegava. A Eliana fazia o Anjo e, aí, vários outros atores que também não continuaram. E aí a gente começou, dali, a fazer sucesso. E a gente começou a ficar tão conhecido, que surgiu uma oportunidade… isso é muito engraçado! Não sei, se eu estiver falando demais, vocês me cortem, tá? Mas, surgiu uma oportunidade de participar de um festival em Nancy. Antes do festival, eles convidaram dois atores para fazer um estágio lá. E nós não podíamos ir, porque nós estávamos ainda cursando, então a gente enviou dois atores do nosso grupo, que eram o Nelio Mendes, que já morreu, e uma outra também a Ilza, que eu não me lembro o sobrenome dela. Porque, antes do Auto da Barca do Inferno, eu já até me enganei agora, a gente fez o Nelson Rodrigues, a gente fez o Vestido de Noiva. E o Vestido de Noiva fez sucesso, o Auto da Barca fez sucesso, e aí os dois foram para lá. Quando os dois foram para lá, houve a história de lá ter o festival de Nancy. Não sei se vocês já ouviram falar, mas era muito bom o festival de teatro estudantil em Nancy. E eles mandaram o convite então, só que tinha que fazer… tinha que mandar dois textos inéditos. Um era um tema imposto e outro era um tema livre. Aí a gente começou a procurar autor e não conseguia, a gente foi na casa Lauro César Muniz, eu e a Jandira, porque nós éramos metidas. Tinha vinte anos vinte e um anos, muito metidas. Aí, o Soffredini resolveu escrever, e aí ele escreveu A Crônica, e escreveu o Cristo Nu. O Cristo Nu foi considerado lá o melhor texto estrangeiro. Só que a gente não conseguiu o dinheiro pra ir, a gente fez de tudo! A gente fez livro, aquele livro de ouro; a gente vendia flâmula na balsa do Guarujá; o Ney contando era muito engraçado, porque os caras fechavam o vidro do carro na mão dele, e ele pedindo para fazerem uma doação, a gente saía pedindo por ali, não deu certo e a gente fez, para arrumar dinheiro. A gente fez uma palestra, a gente organizou uma palestra e chamou o Sábato Magaldi pra falar de Gil Vicente, porque a gente tinha o Gil Vicente no repertório também, né? Aí o Sábato Magaldi veio e eu contei que nós tínhamos sido convidados para ir para Nancy. Quando eu contei isso, ele achou ótimo et cetera e tal, mas ele falou pro Tuca, e aí o Tuca foi, ganhou, e nós não fomos. Foi com o Morte e Vida Severina. Então, são coisas assim, são fatos históricos que nunca ninguém contou, porque não tem tanta importância, é um acidente, acabou não indo, mas, pra você ver o tipo de grupo que uniu pessoas num determinado momento, que eram pessoas tão dedicadas para teatro, tão interessadas, e que não estavam estudando teatro, elas estavam estudando letras, era o curso de letras da universidade, tá? Então, esse foi o primeiro grupo. Aí, quando a gente não foi, a gente estava até com uma reserva de dinheiro, de tanta coisa que a gente fez, e a gente resolveu convidar um diretor de fora. E eu já estava no quarto ano, porque isso foi de quando eu cheguei até… já tô chegando no quarto ano da faculdade, era o último. O Soffredini ainda estava lá, porque ele tava sempre devendo matéria, ele nunca conseguia passar de ano. E aí a gente chamou o Celso Nunes, a gente foi na Escola de Arte Dramática, e foi quando a gente chamou o Celso Nunes pra dirigir a gente n’A Falecida. A gente tinha feito A Falecida, o Ney fez, eu tinha feito um monte de papel n’A Falecida também eu fazia um monte de ponta, mas era legal! O Perito também tava, o Ney Latorraca tava. Aí, o Rubens Ewald já tinha entrado no Auto da Barca do Inferno, então, era um pessoal que saiu dali, mas, que já saiu dali com uma outra visão de mundo. Era um pessoal que estudava muito, a gente era muito porra louca. Eu falei uma coisa, até, pra Carlinha, esses dias, eu fiquei até com medo, eu falei: “Nossa, eu preciso consertar isso!”. A Carla falou: “O Plínio Marcos era do grupo de vocês?”. Não, o Plínio Marcos era mais velho. Ele não era do nosso grupo, ele foi do tempo da… esqueci o nome, mas, daqui a pouco eu vou lembrar, da … não adianta agora, porque eu tô velha e os nomes não vem imediatamente. Mas, o Plínio era de umas duas gerações acima, ele era mais velho. Mas, não é que a gente não gostava do Plínio Marcos, a gente concordava com todas as ideias políticas do Plínio Marcos. A gente não gostava da estética do Plínio Marcos, e a gente nem discutia isso, mas era muito claro para nós, tanto que todo mundo que era daquele grupo continuou no teatro popular: o Soffredini, a Jandira, o Ney, eu. Todo mundo continuou numa estética que não era realista, enquanto o Plínio Marcos… você vai falar “Ah, mas o Plínio Marcos era popular”… Os temas do Plínio Marcos eram populares, mas ele era realista-naturalista, muito, muito. E a gente não queria trabalhar com essa imitação da vida, sabe? A gente queria viagens mais fantásticas, uma estética que pudesse ser mais fantasiosa, mesmo. Que pudesse sair da imitação sair do… Não tinha nem Stanislavski naquela época, estava chegando… mas, sair do realismo! Então, não combinava com a gente. Era isso, a gente não tinha esse tipo de discussão estética, mas, a gente pensava assim. Aí…continuo?
João André Garboggini: Eu queria aproveitar para perguntar para você essa questão do teatro popular, né? Você já começou a falar como que você se aproximou do teatro popular, mas eu queria que você pudesse falar mais profundamente sobre isso e qual a sua estética, como que foi a sua experiência com essa estética ao longo da sua vida, da sua trajetória?
Neyde Veneziano: Então, eu até andei pensando, que vocês iam perguntar isso e pensei “Ah, eu tenho que sair um pouco dessa história de que eu sou só Teatro de Revista, que as pessoas me perguntam, porque talvez seja o que causa mais curiosidade, né? Mas, é assim, ainda em Santos, eu fiquei muito tempo em Santos, quando a gente vai explicar a vida profissional e a trajetória até ir para Unicamp, e o que me levou à Unicamp, essa trajetória… acho que a de todo mundo, se confunde com a biografia. Se confunde com a vida pessoal. Eu tinha alguns motivos que eu não saía de Santos, eu não podia ir para São Paulo. Porque chegou num determinado momento, a Jandira, o Ney, o Rubinho, eles foram todos para São Paulo e eu fiquei em Santos, porque eu tinha uma filha que era autista. E ela tinha uma deficiência e se eu fosse para São Paulo, eu ia viver em cima do carro, levando ela para cima e para baixo, então, eu fui ficando em Santos. Nessa de ficar em Santos, e como eu tinha coceira e a gente não consegue parar, eu comecei já… eu era bem nova, mas eu comecei a dar aula na Faculdade de Comunicação de Santos, e comecei a dar aula de teatro, porque eu tinha inventado de dirigir um grupo infantil. Nesse grupo estava a Renata Zanetta. Aí eu juntei… quando eu estava dando aula na faculdade de Santos, de Comunicação, virou universidade. Era exatamente onde eu tinha estudado, mas chamava Faculdades Católicas de Santos, e virou Universidade Católica de Santos, né? E quando virou universidade, eles chamaram os professores e pediram pra a gente fazer mestrado e doutorado, porque precisava para o currículo, pra poder ter os cursos pós-graduação, tudo aquilo que o MEC exige quando você atinge a universidade, assim… vai ser universidade. Estou falando essa passagem, né? Aí eu fui fazer mestrado e comecei a fazer mestrado sobre adaptação de texto, porque eu tinha adaptado um texto da Ruth Rocha e… continuo dizendo, eu era metida, tudo na intuição! E esse texto da Ruth Rocha, eu fiz com a Renata Zanetta, chamava “Procurando firme”. A Renata Zanetta também estava começando comigo. Aí, nós fomos pra São Paulo, e eu fiquei em temporada em São Paulo e nós ganhamos o prêmio APCA. Aí eu fiquei mais metida ainda, porque eu ganhei um APCA no teatro profissional e eu não era profissional. E aí eu ingressei no mestrado, para fazer um mestrado de adaptação de texto. Aí, tinha que escolher as disciplinas e, na hora de escolher as disciplinas, eu escolhi Commedia dell’Arte, que era o Vendramini que tava dando. Eu falei vou fazer um curso de Commedia dell’Arte. Fui fazer o curso de Commedia dell’Arte e comecei a descobrir que aquilo tinha tudo a ver comigo, e que eu não sabia, mas eu fazia aquilo no palco. Eu já estava juntando pessoas para formar um segundo grupo, que não era o TEFF. Era um outro grupo que eu ia… não é que eu ia fundar, mas eu meio que juntei as pessoas. Aí, eu fui na faculdade, pedi dinheiro pra a faculdade… pra variar, eu vivia pedindo dinheiro para as pessoas. Não tinha Lei Rouanet naquela época. E aí eu chamei as pessoas que eu conhecia para fazer teatro, e o Sesc se interessou também. Então fizeram uma dobradinha do Sesc com a Universidade Católica, e me deram um monte de oportunidade pra fazer um espetáculo bacana. Aí, eu fiz O Noviço, do Martins Pena. O Charles Miller era o noviço, o João Fonseca era o prior lá… o padre, né? A Renata Zanetta também tava. O Dagoberto Feliz entrou e ele cantava nos intervalos, vestido de mulher. Ele fazia uma traveca que cantava modinhas imperiais. Aí, nós fomos pros festivais e eu não sei se eu fiz sucesso porque todo o pessoal júri ficou apaixonado pelo meu elenco, porque só tinha menino bonito, e aí tinha o Mercado, o Vendramini, o Celso Nunes, todos apaixonados pelos meus meninos. Eu era a rainha dos meninos bonitos. Mas também eles falavam que era uma obra-prima, porque… eu fiz a Emília muda… eu era meio metida, né? Intuitiva, mesmo. Eu falei “Ai, a Emília não vai falar!”, a Emília perdeu a voz perto da hora mesmo, e aí, tudo o que ela ia falar, alguém falava “Já sei o que você vai dizer” e falava, né? E aí a gente começou a ganhar todos os prêmios e eu estava no curso de Commedia dell’Arte, descobrindo que eu estava fazendo Commedia dell’Arte n’O Noviço e não sabia. Os trejeitos do noviço… o noviço conversava com a plateia, eu parava o espetáculo no meio pra falar com a plateia… “gente, eu estou fazendo Commedia dell’Arte e não sei!”. Aí o Vendramini começou a contar histórias e eu falei para o Vendramini “Olha, eu tenho um sogro que me conta muitas coisas, porque ele fugiu com o Teatro de Revista quando ele era jovem, e ele me conta. Ele sabe de cor trechos do Teatro de Revista. “Você tem isso?”, e eu falei “tenho”. “Então grava, porque isso é ouro”, então eu gravei e fiz um trabalho que se chamava “O eco do Teatro de Revista…” não! “O Eco da Commedia dell’Arte no Teatro de Revista”, que foi adotado para outros cursos, porque era a primeira vez que estavam falando de Teatro de Revista na universidade, na USP. Aí, fui eu lá, na Renata Pallotini, para ver se eu podia mudar de adaptação de texto, o meu mestrado, para Teatro de Revista. Aí ela deixou, e o Clóvis Garcia ficava andando atrás de mim pelos corredores, dizendo que eu era maluca, que isso não era uma coisa que tinha que estar na universidade. Aí acabou que eu fiz, acabou que, junto com a pesquisa, eu escrevi, junto com o Perito, o Revistando … O Revistando ficou três anos em cartaz, foi pro Rio de Janeiro, ganhou Mambembe, a gente ganhou mais de 25 prêmios, contados mesmo! A gente fez temporada em São Paulo duas vezes, a gente fez no Sesc Anchieta. Naquele tempo chamava Sesc Anchieta, agora é Sesc Vila Nova. A gente fez no Rio, no Teatro Rival. Teve uma noite com todos os revisteiros… ainda outro dia, numa live, eu falei e o Dagoberto participou, foi um espetáculo que foi importante pra todo mundo, pra todo mundo que estava nesse espetáculo. E detonou! A Ana Célia deve lembrar, porque daí o Revistando andava junto com o Arlechinno, que a história do Arlechinno é: neste momento eu estava fazendo meu mestrado e o Celso Nunes estava fazendo doutorado na USP. Foi quando o Celso teve a ideia de me chamar para o curso de artes cênicas. Na verdade, ele primeiro ele falou com a Maria Lúcia, primeiro ele falou com o Tutto, primeiro ele falou com a Regina… depois é que ele me chamou. Ele não estava muito seguro que ia dar certo, mas acabou me chamando, porque a gente se conhecia havia muito tempo. Por isso que eu falei, a minha história com o Celso começou em 69, bem antes, ele tava namorando a Regina Braga ainda, depois é que ele foi pra França. Então, era isso. Aí, começa o teatro popular a ganhar… (interrupções)
Neyde Veneziano: Espera aí, é… aí, é só pra responder o João… nesse momento (interrupções) é que eu começo a sistematizar o teatro popular… Tá cortando? Pronto. Entendeu? Agora que eu começo a formar uma teoria e começo a entender que o que eu fazia era teatro popular. Porque eu não sabia. Eu era bem na intuição mesmo, mas eu gostava. Aí, quando eu peguei a Commedia dell’Arte, e peguei, puxei o Teatro de Revista e vi que dava liga, e vi que tudo era, era assim, se eu puxasse o fio da história, eu ia começar lá na Grécia, ia puxar esse fio era paralelo, o teatro de elite e o teatro popular, aí eu comecei a entender que o que eu fazia era isso. Certo? Aí depois tem o Arlecchino, quando eu cheguei na Unicamp. Não, é depois. O Revistando é depois d’O Noviço. Eu, quando fui para a Unicamp, eu estava com O Noviço ainda. Pronto. Deu pra entender, João? Ficou claro?
João André Garboggini:Obrigado! Adorei!
Mônica Sucupira: Oh, Carlinha, antes de você falar, deixa eu só interromper um pouquinho a Neyde. Você contou essa história e a gente entendeu o seu caminho, né? Até chegar no Revistando. Foi muito intuitiva essa, essa sua chegada no Teatro de Revista? Você tinha o seu sogro, né? Que passava todas as histórias para você. Essa intuição é… o que foi que você fez assim: “Zut, eu vou para lá!” Foi só a intuição?
Neyde Veneziano: Não, não foi? É. É assim, Mônica… Tá boa a pergunta, viu? Eu gosto de falar dessas coisas, desse jeito. É, foi intuição num primeiro momento, mas naquela hora eu já estava fazendo o curso de Commedia dell’Arte e já estava entendendo que a Commedia dell’Arte tinha os tipos fixos. Já estava entendendo que a Commedia dell’Arte falava com a plateia, que a Commedia dell’Arte não tinha a quarta parede, que a Commedia dell’Arte era física, já tava entendendo que tinha improviso na Commedia dell’Arte. E todos esses ingredientes que eu estou elencando aqui, todos esses ingredientes estavam na Revista, porque meu sogro explicava exatamente: “Olha, nós falávamos com a plateia. Não tinha nada de quarta parede. Os tipos eram fixos, quem fazia a mulata, era sempre a mulata; quem fazia o português, era sempre o português, quem fazia o italiano, era sempre o italiano”. E ele me dizia os nomes dos atores e eu já estava até sabendo tudo! Ele tinha trabalhado com a companhia da Lison Gaster. E me passava trechos que eram verdadeiros lazzi. Que eram momentos fixos, igual ao que a Commedia dell’Arte tinha e, de repente, tinha aquela elasticidade pro improviso. Então, a partir disso eu já estava lendo a teoria sobre e tava compreendendo, né? Foi quando eu li A Arte da Encenação, se não me engano… eu tenho aqui o livro, mas eu não me lembro agora o nome. Eu vou me esquecer de muitos nomes… e o autor falava assim, que ele se emocionava muito mais diante de uma máscara do Arlequino que do que diante do Hamlet. E eu fiquei toda feliz, porque eu também! Entendeu? Não, não que eu despreze o Hamlet. Shakespeare é muito popular e agora, agora a visão é outra também, mas isso era naquela época. Porque durante esse tempo todo, porque, vê, eu comecei lá em 68 ou 67 e tô vindo, então as coisas vão mudando. Quando que eu comecei a fazer teatro amador não tinha nem… não tinha nem chegado o Stanislavski aqui. Depois todo mundo… os diretores não sabiam direito como conduzir, eles gritavam muito: “Vai lavar roupa! Você não tem jeito para teatro!” Aí, o grande… para você ser uma grande atriz, você tinha que tirar a roupa. Aí você tira a roupa: “Nossa, que atriz que ela é!” e eu era meio cabreira com essas coisas, eu não gostava muito, não. E aí eu comecei a ficar aquela que tinha argumentos, porque eu estudava mais, né? E essas teorias que… não são teorias, esses procedimentos claros do teatro popular, elencados e explicados através da história, acaba dando pra você uma visão diferente de teatro, que não era fazer… eu falava: “Eu não quero fazer televisão no palco, eu não quero imitar a vida real e não quero imitar o cinema”. Quando a gente foi com O Noviço pro festival, a Ilka Soares, que era famosa na época, ela, ela questionou alguma coisa e eu falei: “Não, nós estamos devolvendo para o teatro um efeito que sempre foi dele”. Olha que metida que eu era, não tava… nem tinha nem mestrado ainda. Bem metida! E foi nesse momento que, o Celso estava nesse júri e, acho que, aí é que ele decidiu mesmo me chamar. Eu não tenho certeza. porque ele nunca comentou a hora que ele decidiu me chamar, e eu sei que teve interferência da Maria Lúcia Candeias, que estudava comigo na USP, teve interferência da Regina. O Paulo também falou que teve interferência dele, isso eu não me lembro, porque o Paulo também estava fazendo mestrado nessa época, o Paulo Vieira, e o Tutto levou os meus documentos. Ele pegou meus documentos em São Paulo e levou para a Unicamp. Então teve um complozinho ali para me levar. Foi isso!
Carla Hossri: Oh, Neyde, vamos aproveitar que você está falando de estética, de procedimento, quem te ajudou a levar pra UNICAMP e tal? Agora eu gostaria de saber por que é que você, já estando na USP, cursando mestrado, conhecendo, eu já sei que você era querida lá, por que é que você optou pela Unicamp?
Neyde Veneziano: Olha, principalmente… eu, eu não optei. A Unicamp me chamou primeiro. A USP me chamou para dar curso de pós e eu substituía o Fausto Fuser, porque… eu não podia assinar o curso, então eu dava… Eu não tinha nem o doutorado, mas eu já dava curso de Teatro de Revista na pós, em nome do Fausto Fuser. Mas foi a Unicamp que me ofereceu uma oportunidade de fazer o concurso, de ficar na Unicamp, de ser professora lá, né? E eu gostava de ser professora. Eu acho que o fato de eu não poder ser atriz, exatamente por causa do problema que eu tinha em casa, porque eu não podia ficar circulando à noite e ficar à disposição de um diretor de teatro, porque, no começo eu queria ser atriz, mas eu não tinha essa possibilidade. Disponibilidade de tempo, não é? E aí, ser professora era um jeito de fazer um caminho assim. Eu ia por fora, mas eu ia chegar no teatro do mesmo jeito. E a USP era muito intelectual pro meu gosto, porque a USP olhava para a Europa. E eu achei que a Unicamp estava olhando para o Brasil. A Unicamp estava olhando para América do sul. A Unicamp tinha uma pegada mais popular, mesmo naquela época que a gente ainda não tinha determinado, mesmo, a cara do grupo. Porque a gente, depois que a gente começa a fazer, é que a gente para pra estudar o que está acontecendo. E a gente fala “Nossa, eles foram por essa linha e eles têm uma pegada mais popular, né?” E aí é que eu comecei a entender por que que eu gostava tanto da Unicamp.
Carla Hossri: Olha, então eu acho que tem a ver com uma pergunta da Mônica. Que ela quer fazer uma pergunta relacionada a esse começo da Unicamp pra você.
Mônica Sucupira: É… você, você colaborou com a formatação desse curso, né? Você está falando aí, né? Qual a diferença? Quais as diferenças do curso da Unicamp que você estava ajudando nessa formação e os outros cursos? Você já falou alguma coisa aí, né?
Neyde Veneziano: É, eu acho que…
Carla Hossri: Espera um pouquinho
Neyde Veneziano: Quando você fala que eu ajudei na formatação… desculpa, Ana Célia que quer falar?
Ana Célia Padovan: Não, eu queria… posso falar? Eu queria completar, é… Dentro disso, assim, como você vê a sua contribuição na formação, assim, desse curso, né? Como ele se moldou a partir das pessoas, dos profissionais que estavam lá? E a sua contribuição. Se você acha que isso determinou a formatação também, né, do curso. Vou fechar aqui o microfone, que tem um cachorro latindo.
Neyde Veneziano: Então, Ana Célia, quando eu pensava no teatro que eu fazia, eu ainda nem tinha descoberto Meyerhold. E, durante os cursos de pós, que era exatamente paralelamente à minha ida para a Unicamp, eu comecei a descobrir também o Meyerhold, que tinha tudo o que eu queria de… assim, um teatro pensado fisicamente, um teatro que parte das posturas do corpo, que estuda o balé, que estuda a Commedia dell’Arte, né? Então eu… é diferente. Aí, eu começava a procurar frases do Stanislavski que eu não concordava… então, eu acho que era assim, resumidamente, a USP era muito Stanislavski, era muito cabeça. Eles ficavam horas discutindo cada frase, as ideias que os autores… Não que isso seja ruim, estou falando que não era esse o teatro que eu gostava. Não era esse o teatro que eu fazia, não é? Enquanto que o outro era um teatro de máscaras, um teatro que estudava o corpo, um teatro que tinha tipos já característicos, né? O que a Ana Célia me perguntou? Ah, na formatação do curso, né? Todos os professores que entram em um curso ou eles são escolhidos… eles fazem um vestibularzinho, eles têm, eles têm que fazer um teste, mesmo que não seja ainda o concurso. E, aí, a gente, estando na banca, a gente vai escolher o professor que vai melhor se adequar à filosofia do curso. E o curso… ele, ia por esse rio. Era, era assim, não precisava forçar nada. Era assim que a gente estava indo, a gente estava em Campinas. A gente não estava em São Paulo, a gente não ia, não estava competindo com a Europa. A gente não tinha o nariz empinado, era, era uma outra… Era muito claro isso, na época. A minha diferença entre o pessoal de lá, porque tinha a Marcília, tinha o Reinaldo, tinha o Waterloo, eu adorava eles, mas, o legal é que eu entrei com a carga didática, porque eu era professora. Eu tinha feito letras, eu tinha estudado pedagogia, eu tinha estudado didática, então eu sabia fazer projeto de aula, planejamento de curso, grade curricular. Sabe essas coisas assim, que só professor sabe? Eu tinha dado aula em colégio do Estado, porque, enquanto eu estava na faculdade, eu dava aula de teatro no colégio do Estado, à noite ainda, grávida. A vida não é fácil para ninguém, né? Eu era maluca também. Eu… eu fazia à noite e aí, sábado e domingo, ensaiava teatro. Então, era muito fácil para mim pegar o que eles estavam dizendo, porque eles vinham do Pessoal do Victor, eles tinham feito um texto do Soffredini, que também não era realista. Percebe? Eles não tavam fazendo Ibsen… Ibsen não era realista, mas eles não estavam fazendo nada assim, que fosse baixo astral, eles estavam fazendo um Soffredini, que também era muito popular e que era do meu grupo. O Soffredini começou no meu grupo. A primeira peça que o Soffredini escreveu, quem datilografou, porque naquela época era datilografado, foi eu e o Perito. Eu estava namorando o Perito, eu adorava datilografar com ele, só pra namorar mais um pouco! Então, era… e aí que ele ganhou um concurso do Serviço Nacional de Teatro. Então, eu estava falando com gente que entendia, que falava a mesma língua, só que, junto com isso, eu tinha didática. Aí, eu falava assim “Não, espera aí, vamos organizar”. Então, eu dividia em cursos, fazia projeto. “O objetivo é esse, não é aquele…” sabe? Você sabe qual é o objetivo? Você sabe o que é “resultados esperados”? Você sabe o que que é metodologia de professor? E, aí, eu fui, acho que eu ajudei bastante nessa parte, porque eles eram atores, eram fantásticos, mas eles pensavam com a cabeça de artista e eu pensava, com a cabeça de professora que queria ser artista. Então eu acho que eu ajudei nisso, tá?
Carla Hossri: Deixa eu perguntar, então, uma coisa. Aproveitar esse viés aí, Neyde, que você está falando, que você ajudou a formatar, que você tinha essa didática, você tinha, você era professora, você sabia montar um curso. E tem essas diferenças. Ele era mais prático, do movimento e tal. Agora me conta uma coisa: e como é que você percebeu o acolhimento da academia, Neyde, para com o teatro popular que você estava trazendo, e também porque você era mulher? Você chegou a sofrer algum preconceito porque você é mulher, ou alguma discriminação, porque você estava trazendo o teatro popular para academia?
Neyde Veneziano: Olha, na Unicamp nunca, na USP, sim. Na USP eu sofri bastante preconceito porque eu estava num terreno por onde era raro se aventurarem os pesquisadores, né? Imagina fazer uma tese, a primeira tese de mestrado já foi o Teatro de Revista. Então, era raro. Mas a Unicamp me acolheu. O meu primeiro livro foi publicado pela editora da Unicamp, a Unicamp me acolheu com tudo! Então a gente tinha uma turminha, digamos, mais assim, metida, que era o Marcio Aurelio, a Sara e eu, e a gente tinha os outros professores que eram mais artistas, talvez, do que nós, porque a gente já raciocinava com cabeça de professor, como eu tava falando, né? Mas, assim, eu nunca sofri por ser mulher. Nunca. Eu não conseguia entender isso, porque eu não tive nenhum problema. Não sei se eu era briguen… não, eu não era briguenta! Eu até uma vez falei… eu fazia dupla com a Sara, né? Eu falava “Eu tenho as ideias e a Sara bate o pinto na mesa”. Desculpa! Falei isso lá pro diretor do instituto, ele deu risada, quando foi a eleição de Chefe de Departamento, né? Porque eu não brigava muito, eu não era de me impor. Mas eu nunca tive problema de ser mulher, isso não.
Carla Hossri: Que coisa boa!
Neyde Veneziano: Agora, do popular, sim!
Carla Hossri: O João quer fazer uma pergunta, né, João?
Neyde Veneziano: O teatro popular dava problema. O teatro popular dava problema, em vários lugares.
JA: Como você… como você está falando do Departamento, você teve uma fase que você foi chefe do Departamento, então, eu queria que você falasse sobre essa experiência da sua chefia do Departamento, assim, como que foi, não é? Enquanto você era Chefe de Departamento, o que que aconteceu pro Departamento?
Neyde Veneziano: É, eu fui. Eu não sei nem o ano aqui. Eu teria que consultar. Eu pus as minhas datas aqui, mas eu não consultei. Não vi as datas. Eu fui Chefe de Departamento, acho que uns três anos, foi pouco tempo. E eu assumi porque a Sara podia assumir junto comigo, de vice, e ficou combinado que a Sara ia fazer o dia a dia, porque, como eu morava em Santos e eu não podia sair de lá, porque a família não queria ir para Campinas, eu ficava três dias em Campinas, da semana, e o resto em Santos. Então… porque Chefe de Departamento não é um… tem um outro nome do professor que é aquele que cuida do pensamento, das disciplinas, que é o orientador educacional dentro do Departamento. Chefe de Departamento tem que ver se tá faltando papel higiênico, se está faltando papel para imprimir, tem que cuidar dos funcionários, e essa era uma parte terrível para mim, eu não gostava. E, aí, a gente tinha também problemas que surgiam, né? Eu infelizmente tive aquele problema com o Tutto, que nem eu sei por que e como foi, e que aconteceu na minha gestão. E o Adilson também ficou doente, na minha época. Então, surgiam problemas, assim, que são problemas típicos de um curso de Artes Cênicas, porque as Artes Cênicas trabalham com experimentação. Artes cênicas trabalham com ensaio e erro. Então, você tem que entender que não é um curso onde o ator, o aluno, fica sentado ouvindo o mestre falar. É um curso que o ator tem que experimentar e as experiências, às vezes, com a Beth Lopes, eram complicadas. Aí vinham pais de alunos reclamar… porque a gente estava numa época que não tinha liberdade. Porque nós éramos livres, nós, nós éramos livres, as pessoas, mas a sociedade não era, né? Então, os problemas que havia eram problemas com relação ao social campineiro, social das famílias em volta, não dentro, porque os alunos eram bem rebeldes, articuladores, na época do “Nas coxas, não!” Era, bem… todo mundo sabia reivindicar o que queria, né? Então assim, isso desde o começo, viu João? Eu até contei um dia que, quando eu cheguei na Unicamp, na primeira reunião, porque primeiro eu mandei a papelada toda, o Celso me chamou, eu fiz aquele examezinho, passei, teve reunião e tudo. Aí, eu vou na primeira reunião com os alunos, eu quase vim embora, porque a Míriam Fontana brigava tanto com o Celso Nunes que eu fiquei assustadíssima. Eu falei “Eu não quero mais”. Eu parei no meio do caminho, naquela época não tinha celular, eu liguei pro Perito, falei “Gente, eu estou aqui no telefone, perto do frango assado, eu não quero voltar para lá!”. Eu assustei, porque eu dava aula na faculdade de filosofia dos padres em Santos, era tudo encerado o chão, cada professor tinha a sua chave do seu armário. Vinha mulher lá, toda embecada, servir cafezinho na bandeja de prata. Aí eu chego no departamento, estava tudo se instalando, né? E aquelas pessoas brigando, porque eles tinham feito… Ai, qual era o autor, aquele brasileiro? Vocês lembram? Já vou lembrar. E alguma coisa tinha dado errado
Carla Hossri: Gastão Tojeiro?
Neyde Veneziano: Hã?
Carla Hossri: Gastão?
Neyde Veneziano: Que autor que a Miriam tinha montado naquela época?
Carla Hossri: Gastão? Não foi o Gastão Tojeiro que eles fizeram?
Neyde Veneziano: Não! Gastão Tojeiro é comportado. É aquele que ficou louco. A gente já lembra já, já, já, já. Nossa, eu agora…
Mônica Sucupira: Qorpo Santo?
Neyde Veneziano: Qorpo Santo. Eles tinham feito um Qorpo Santo, e foi um problema a montagem do Qorpo Santo. E eu, era a primeira vez que eu tava lá, mas eu nunca tinha visto alunos brigarem tanto. E aí, era o Celso de um lado e os alunos do outro, estavam brigando muito. Eu falei “Nossa, eu não quero voltar”. Eu fiquei morrendo de medo de entrar na aula e que fosse dar alguma coisa, não é? E no fim virou a minha família, né? Família a gente briga, a gente ri, a gente chora junto. A Unicamp virou uma coisa, assim, muito próxima. O Perito e a Manuela iam, todo mundo tratava bem a Manuela. A gente viajava junto, pegava ônibus, então era uma outra história. Porque daí teve a fase Arlecchino também, né? Mas já quatro anos depois da hora que eu entrei.
Carla Hossri: Neyde!
Neyde Veneziano: Diga.
Carla Hossri: Só para terminar essa fase…
Neyde Veneziano: Eu tô respondendo certo?
Carla Hossri: A Ana tem uma pergunta para fazer para você, a Ana Célia. Só pra gente fechar esse começo aí, da Unicamp.
Ana Célia Padovan: Então, Neyde, assim… Você falando toda essa sua… essa experiência de vida como professora, numa, numa estrutura tão bem formada, sistematizada como você falou, que você dava aula em colégio que… chão tudo encerado, o professor tinha chave de armário. Tudo bem, é… e você está passando para outra, outra estrutura e ao mesmo tempo, a minha pergunta, ela se baseou, eu acho que numa é… numa ideia que eu fiz, que a gente carrega de você, ligada tanto com o Teatro de Revista, com o teatro popular, que eu tive a oportunidade grandiosa de participar de montagem com você, de ser dirigida. É, mas essa… essa ideia do teatro popular que você carrega com você, né? E que a gente vai buscar lá nos primórdios, né? Nas referências que a gente tem do teatro brasileiro ser tão popular e ter, ah, sei lá, eu acho que eu tenho também muitas histórias, né, contadas de gente que foge com o Circo, a minha avó é uma delas, que eu acho que ficou um tempo, meu pai contava de companhia de Teatro de Revista, também. Então, assim, você tem uma imagem desse teatro popular que o Brasil traz e aí, você é… Nesse… nessa época da Unicamp, eu acho que também é uma época de expansão do ensino de teatro no Brasil. Eu acho que é, eu participei nesse momento da Unicamp, mas eu acho que, assim, as escolas, após a Unicamp, elas começaram a se difundir pelo país. Então a minha pergunta era mais ou menos nesse sentido, assim, como que é essa, essa bagagem que vem da informalidade e que tem no Brasil, essa, essa cara, né, do popular, do… Não sei… que é pouco sistematizado, talvez, não sei se é essa palavra, pra essa fase em que o ensino do teatro passa a ser sistematizado? Como foi isso, né? Se você pode comentar um pouco mais, embora você tenha comentado bastante, eu acho que… é, assim, dá pra gente tirar bastante coisa disso que você já falou. Mas, enfim, é essa pergunta.
Neyde Veneziano: Nossa, eu acho que é uma grande pergunta, Ana Célia! Acho que nunca ninguém me falou isso. Mas de vez em quando eu penso que a gente, no Brasil, começou tudo muitos anos depois da Europa, a gente não conseguia… a culpa… A gente não conseguia acompanhar a Europa, porque em 1500 nós estávamos sendo descobertos ou, ou… descobertos não, né? Estavam começando a chegar aqueles (Ana Célia: Invadidos), que iam formar o nosso povo, mas de todo jeito, o teatro no Brasil vai começar no século XVII. Ele não começa antes disso, vai? Não acontece nada, tinha, tinha cômico de rua, como tem durante a idade média, mas não tinha nada de teatro pensado, né? E aí, por volta de 1800 e alguma coisa, aí que começam a ser encenadas as peças do Brasil e a vir peças estrangeiras para cá. Então, chega num momento em que o nosso público era um público popular. Se você olhar, eles fingiam que eles falavam francês porque era chique, mas eles falavam muito mal francês, eles fingiam, eles compravam roupas que pareciam as roupas da França, porque eles queriam ser elegantes, como as ruas de Paris, mas em um puta calor no Rio de Janeiro e acabava que não dava certo e acabou tudo meio despencando, esse despencando, essa desconstrução, ela é muito ligada à nossa forma de se expressar, né? A gente vai se expressar não do jeito perfeito, não com aquela, aquela, sei lá, exigência da língua francesa, né? E tudo o que nos chegava, chegava via França. O Shakespeare, que era popular no tempo dele, ele vai passar um tempo esquecido e ele vai ser retomado na França, século XVIII, e é assim que o Shakespeare vai chegar aqui, e que vai ser feito pelo João Caetano. Então, João Caetano vai fazer um Shakespeare todo… aula de estatuária, declamado representado, né? E não era isso. Aí, de repente, chega aqui no Brasil a Opereta. E a Opereta é – eu tenho que falar disso, desculpas – a Opereta chega e a “jeunesse dorée” francesa…, brasileira, né? Os garotos chiques cariocas acham lindo e fingem que entendem. E chegou com o Cancan. Só que eles não estavam entendendo, porque aquela Opereta já era uma paródia e eles pensavam que aquilo era chique. Então, o Chico Vasques, o Francisco Correia Vasques, faz uma paródia que chama Orfeu na Roça. Eles tinham feito Orfeu no Inferno como paródia em Opereta e terminava com o Cancan. Aquele “tantantaranrarantatan”, o famoso Cancan. Ele vai, faz uma paródia no teatrinho ao lado, esvazia o teatro das francesas e aí começa a… as pessoas a entenderem o que que era a Opereta, que Opereta era uma brincadeira e, praticamente, o teatro popular vai começar aí. E vem o Arthur Azevedo na sequência. Aí, quando você pega o Arthur Azevedo, você vê que lá na Europa, naquele momento, já estavam fazendo realismo, naturalismo, impressionismo. E a gente não tava. Isso só… realismo/naturalismo só ia ter com o Plínio Marcos, na década de sessenta. Porque, aí, o Arthur Azevedo escreveu tantas Revistas, porque era isso que o povo queria. Esse é o teatro que o Brasil queria. Eu não sei se eu estou falando, se eu já saí da linha que você me passou. Perdi a tua… ah, por que, como é que que a gente persegue o ensino no Brasil, né? E eu acho que a Unicamp acertou em cheio nisso, porque a gente tinha Circo, a gente tinha muito mais corpo do que nas outras universidades e abriu mesmo pra, pra outras. Eu acho que naquele momento ficou tão forte o estudo de teatro no Brasil, que anos depois, quando eu fui fazer o pós-doutorado na Itália, eu comecei a achar que a encenação do Brasil era das melhores do mundo, porque a gente já tinha Gabriel Villela, a gente já tinha coisas fantásticas sendo feitas aqui, ousadas, de pegar aquele Romeu e Julieta e fazer na rua, numa estética mineira e que, na Europa, não ousavam fazer isso. Na Europa, você ia ver peça francesa, Molière mesmo, era uma chatice. Tinha que ser o texto inteiro, não cortavam nada. E não adaptavam e não contextualizavam, não tinha, assim, “vou fazer o contexto atual”, não tinha. Então eu acho que o Brasil cresceu muito com a universidade. Eu acho que a Unicamp tem uma grande contribuição, porque daí começaram os congressos, os professores começaram a discutir e, os trabalhos que a gente fazia, tanto encenados como o Arlecchino, o Arlecchino foi pro Municipal de São Paulo, né? A gente tem que pensar assim: a gente fazia grandes trabalhos! Teve outros grandes trabalhos, a gente sabe disso. Eu estou falando do meu, porque é o que eu me lembro agora, né? Mas eu acho que quando… a gente ia pro festival de Blumenau. Chegando em Blumenau era um festival de teatro universitário. Claro que a gente influenciava, claro, que a partir daí, outras universidades captavam. Eu tenho certeza que, ali, era assim, a gente já era um curso de ponta. E era um curso de ponta que tava desenhando os caminhos do teatro brasileiro e a encenação do Brasil era já uma das melhores do mundo. Não estou falando que era só Unicamp, né? Mas eu acho que a USP era tão pensante que amarrava um pouco mais as pessoas, porque eu era muito amiga de vários professores da USP. Eles eram mais amarrados, nós éramos bem mais louquinhos, bem mais ousados, bem mais livres, e eu acho que isso foi importantíssimo. Acho que, sendo popular ou não, nós éramos mais meyerholdianos mesmo, né? E discutia-se menos e fazia-se mais, e experimentava mesmo. Será? Acho que sim. Falei e falei, é isso, Ana Célia?
Carla Hossri: Neyde, também já aproveitando o gancho, o João quer fazer uma pergunta também. Deixa eu só registrar aqui, já que você falou dos festivais internacionais, quando eu estava cursando o mestrado, nós fomos para um festival da UNESCO, sob a direção do Marcio Aurelio…
Neyde Veneziano: Fizeram um trabalho fantástico na UNESCO.
Carla Hossri: Foi fantástico. Foram dois festivais da UNESCO que nós fomos, que nós participamos, e aí, lá a gente também percebe que o nível do teatro brasileiro – não porque eu estava lá -, mas o nível do Marcio, dos atores, do pensamento, era uma coisa, é… nivelada pra cima, pra cima, e nesse sentido, também, o João quer fazer uma pergunta para você.
João André Garboggini: É, então, quando eu entrei na Unicamp, né? Eu tive o prazer e a honra, além de ser seu aluno, de assistir ao espetáculo Arlecchino, que tava a Ana Célia, que tava o grupo Fora do Sério. E, pra mim, não só esse, mas esse foi um dos espetáculos que me… né, que que me fez me entusiasmar por estar ali nas Artes Cênicas da Unicamp, né? Aí, eu fiquei sabendo que você tinha, que esse texto era do Dario Fo e comecei a falar assim “Ai, a Commedia dell’Arte é uma coisa que me fala ao coração”. Eu queria saber, é, como que foi o seu, o seu contato? Assim, desde que você come… quando que você começou a ter contato com essa figura que é o Dario Fo e até o momento em que você foi lá, conheceu ele, fez o seu pós-doc com ele. Eu queria que você falasse sobre isso, que é uma coisa que acho muito importante.
Neyde Veneziano: Falo sim, eu não vou esquecer. Mas, só, antes…
João André Garboggini: Porque eu considero, eu considero… Você acha que o Dario Fo pode ser consid… você acha que o… Você acha que o Dario Fo pode ser considerado um cara tão importante quanto o Grotowski, quanto o Stanislavski, pra história do teatro, assim?
Neyde Veneziano: Sim. Então, antes eu só queria completar uma coisinha que a gente tava falando dos trabalhos importantes que a Unicamp fez. A gente tinha o Marcio Aurelio lá. A gente tinha umas pessoas ousadas, que… o Celso, no começo então, também. A gente, a gente teve encenadores dando aula, né? Isso é, é muito legal. E eu acho que, quando vocês forem entrevistar, eu tenho certeza que o Marcio vai falar que a Unicamp foi um campo de experiência para nós, porque a gente não está sozinho, vocês contribuíam. A gente montava junto. O diretor dirige, mas a gente monta junto, né? Agora, a minha experiência com o Dario Fo começou antes de eu ir pra Itália, por causa do Arlecchino. Porque apareceu uma pessoa de Santos que tinha ido para a Itália, tinha assistido ao Arlecchino lá e o Dário Fo tinha acabado de encenar. E ela comprou o programa, que era uma revistinha de Alcatraz, que Alcatraz é um sítio, é um sítio agro natural lá, aquele que o filho do Dario Fo tem e chama Alcatraz, e ele tem uma pegada muito cultural. E aí eles publicaram o texto, aí ela trouxe o texto. Aí eu mostrei o texto em reunião e o Waterloo que falou “Por que você não monta aqui?” E aí eu levei um susto e falei “É mesmo! Por que que eu não monto aqui?” Daí comecei a falar com a Beth Lopes, porque é assim, não, não foi mérito meu só, porque, se a Beth Lopes não estava, porque foi, acho que… e também a Helô, que fez as máscaras de couro, porque foi a segunda peça no, o segundo espetáculo no Brasil que trabalhou com técnica de máscara e máscara de couro da Commedia dell’Arte. Porque o… Negrini? Não. Como é que ele chamava, aquele que trabalhou com a Tiche. Fez um pouco antes, ele fez O Arranca Dentes.
Ana Célia Padovan: Zigrinno. Francesco Zigrinno.
Neyde Veneziano: Exatamente! Ele fez, ele fez O Arranca Dentes onde a Tiche tava. E eu assisti, foi na época que eu estava com O Noviço ainda. Eu assisti no festival do Sesc. Mas, o Arlecchino foi bem além, porque tinha um texto do Dario Fo. O texto do Dário Fo parece que é uma Commedia dell’Arte, assim, só que por trás tem sempre uma tragédia. O Dario Fo faz literatura mesmo. Ele ganhou prêmio de literatura, né? Ele tá resgatando outros valores além da Commedia dell’Arte. Ele está falando do ser humano, mesmo fazendo… Então, tinha todos aqueles vícios do ser humano, tudo aquilo dentro de um texto de Commedia dell’Arte, que não era só uma piada. Ele mesmo falava que só, se fosse só uma piada, se fosse pra jogar torta na cara do outro, ele não queria estar fazendo. Então, meu primeiro contato com Dario Fo foi esse e, depois, o Arlecchino explodiu, e foi tão importante pra mim quanto o Revistando. O engraçado é que foram os dois juntos. Eu vou contar uma coisa que eu contei pra Carla, mas vocês não se impressionem, isso é coisa que acontece com todo mundo. O Revis… eu era complicada, eu tinha dois cachorros, tinha um gato, tinha dois filhos, tinha três empregos… bom, eu fazia mestrado e, aí, eu dirigi o Arlecchino. A Sara falava que eu queria me matar, porque eu chegava meia-noite na casa dela, porque a gente ficava ensaiando o Arlecchino à noite, ainda, depois do ensaio, depois da aula, né? E, sábado e domingo, eu estava no Revistando. O Revistando demorou oito meses também pra montar, por causa de ensaiar só no fim de semana. E o Revistando estreou no dia que a minha mãe entrou em coma e, uma semana depois, o Arlecchino estreou no dia que a minha mãe foi enterrada. Não sei se a Ana Célia se lembra disso, eu estava em Santos… porque eu tava na casa da Sara, eu tinha ensaiado na véspera e dormi. Aí, a Sara me acorda às 5:00 da manhã dizendo que eu tinha que ir para Santos. Aí que eu descobri que a minha mãe tinha morrido, e eu fui pra lá. Aí, teve o enterro, teve o velório, teve tudo. Quando acabou, o Perito falou assim “você quer ir pra estreia?” Eu falei “quero”. Aí fomos pra estreia, malucos! Ninguém acreditava. Eu cheguei em cima da hora, assisti da plateia, e a Sara lá tocando, porque a Sara é muito parceira, né? E então, dali, o Dario Fo pegou corpo também. Então ele ia junto com, com… os espetáculos, para os festivais, perdão. E também dava muito certo e estava, de uma certa forma, provocando um teatro novo. Era um teatro novo que estava resgatando um teatro velho, mas era um teatro de estética. A linha era muito clara, não é? A gente tinha uma estética de Commedia dell’Arte que tava muito pensada e tinha a Beth Lopes atrás, pra dar toda aquela força, que eu aprendi com ela, muito. Aprendi a não ter gesto em fuga. Falava “nossa!”. Aí, quando eu ensino gesto em fuga, até hoje os atores não sabem o que é gesto em fuga. Ah, a Beth Lopez ensinava umas coisas fantásticas para nós. Depois… o Dário Fo veio muitos anos depois, João, eu nunca mais mexi com isso. Aí, no fim, eu tive que me aposentar porque eu já tinha dado o tempo e eu tinha problemas em casa, e estava na hora, et cetera e tal, e aí eu fiquei mal, que me aposentei, né? Aí eu fiquei mal. Daí o Vendramini me chamou pra dar aula na USP. Aí eu dei aula na USP um semestre e não deu certo, porque eu não podia ser contratada, porque eu era do mesmo Estado. E aí eu falei com o Sábato Magaldi, falei “ai, Sabato, eu queria ir pra França, eu quero fazer um pós doutorado fora”. Eu estava muito mal porque eu tinha deixado a Unicamp, e é Unicamp era a minha cara e eu não podia, porque eu tinha a filha com problema. Eu falei “meu Deus, eu vou pra França e levo todo mundo, né? Eu quero ir para a França” Aí o Sabato Magaldi, olha a cabeça dele, falou assim “sua cara não é a França, você tem que fazer com o Dário Fo, o pós-doutorado”. Foi ele que falou. Aí, eu fui por acaso, porque Deus tava do meu lado sempre, né? Aí, por acaso, encontrei um amigo de Santos numa festa em São Paulo e eu falei “o que você está fazendo?” Ele falou assim “eu moro na Itália, estou trabalhando com o Dario Fo”. Aí ele levou o meu projeto, aí… meu projeto, e eles responderam. Eles responderam que eles não podiam me receber, porque eles estavam organizando o acervo. Falei “bom, não rolou, né?” Isso era final de 98, 99. Aí, depois de um uns seis meses, veio uma carta que eu podia ir. Aí fiz o projeto para a FAPESP, a FAPESP, topou, e aí eu fiquei um ano lá. Quando eu cheguei lá, eu levei um susto também, porque eu não entendia nada do que o Dario Fo falava, porque ele fala em dialeto no palco, ou em gramelô e eu não entendia nada. Eu achava o máximo, eu ficava olhando “meu Deus, como é que eu vou fazer para trabalhar com ele?” essas coisas. Aí, eu fiquei amiga da Franca, eu entrei pela porta dos fundos, eu ia, ficava falando com ela na cozinha. Eu tenho gravações e gravações que… até hoje, eu preciso voltar nelas para estudar melhor. E ela que ficava meio que me explicando toda a trajetória, fora os livros, que lá tem muitos livros sobre o Dario Fo. Aí, eu ia para Bolonha, porque a base, a minha coorientadora era em Bolonha. Coorientadora, não, supervisora. Era em Bolonha. E, então, o Dario Fo foi assim, o Dario Fo acabou ficando amigo também, porque eu era muito boba, muito tímida, e eu ficava esperando a minha vez… a acabou dando esse livro aí, João, e esse daí. Você sabe que é o único livro em língua portuguesa sobre Dario Fo? Porque o Manual Mínimo é, são as palestras dele, que a Franca recolheu. Esse daí é o olhar brasileiro sobre a obra do Dario Fo. Foi assim que definiram, na… em Bolonha
(falas sobrepostas, indistintas)
Carla Hossri: Deixa só eu falar uma coisa, Neyde, você traduziu Dário Fo.
Neyde Veneziano: Eu traduzi porque eu montei o Mistero Bufffo com o La Mínima, com o Domingos Montagner e o Fernando. É, aí eu queria traduzir todos os episódios…
Mônica Sucupira: Oh, Neyde, deixa eu…
Neyde Veneziano: São vinte e um. E aí, a Rinaldi, que… a editora que detém os direitos de tradução e coisas impressas, disse que já tinha dado os direitos pra uma professora da USP, que eu não sei quem é até hoje, porque não saiu. E aí, eles me autorizaram a publicar só o Mistério Buffo, que eu tinha montado. A tradução que eu tinha feito para o espetáculo. (falas sobrepostas)
Carla Hossri: A Mônica quer fazer uma pergunta, oh, Neyde! A Mônica quer fazer uma pergunta.
Mônica Sucupira: Deixa, deixa eu interromper, mas pra… deixa eu interromper pra continuar. É… Você tá falando da sua experiência lá fora, né? E a gente sabe que o Teatro Musical brasileiro, ele tem uma referência muito grande, tanto da França quanto dos Estados Unidos, né? E… apesar de que a Chanchada, por exemplo, ela foi super elogiada pelos franceses, né? E você alguma vez já pensou em traduzir tudo isso, de levar toda a sua, a sua experiência pra fora? Ao invés de importar, exportar tudo isso que você já estudou, fez, enfim, tanto a prática como a teoria do teatro brasileiro, tanto da Revista, quanto do Musical?
Carla Hossri: A Ana Célia quer completar essa pergunta.
Ana Célia Padovan: Oh, meninas, é… eu acho que já engloba, o que eu teria para perguntar essa teatralidade brasileira, né? Que eu acho que ela já, a Neyde falou bastante e, eu acho que nessa resposta da Mônica, né, ela, a resposta à pergunta da Mônica ela abarca, né? Se essa teatralidade brasileira pode ser ensinada ao mundo. Tá bom? Então, vai na pergunta da Mônica, aí, tá legal?
Neyde Veneziano: Olha, a única experiência que eu tive… porque eu dirigi uma brincadeira de lazzi lá em Milão, junto com a Marina di Juli, mas eu… não foi uma direção. A única experiência que eu tive de dirigir fora do Brasil, e de dar aula fora do Brasil, foi em Portugal. Que eu dirigi o Arlecchino lá, foi muito engraçado, Ana Célia, porque eu tive que traduzir pra português de Portugal. Aquela hora em que falava assim “você está bolinando a menina”, tinha que ficar “tu estás a micar a garina”. Então, era outra coisa, porque tinha muita gíria, aí teve que traduzir de um outro jeito. E eles adoraram uma cena que nós cortamos, que era a cena do barril de vinho, porque lá a cultura do vinho é, é própria deles. Então eles fizeram a cena. É muito divertido assistir aos portugueses falando, eles eram bons também. E não, não que nem o pessoal da Unicamp, mas era bom, também. Mas, foi a única vez que eu tive essa experiência, Mônica. Eu acho que eu sou meio tímida. Eu não sei como é que eu faço. Uma vez o Celso Nunes até brigou comigo, que falava que eu não fazia as coisas direito, assim, de me promover. Mas eu não tenho a menor ideia de qual seria o caminho. Agora, eu acho que essa teatralidade brasileira, ela existe, existe. A Sara também pegou, nas teses dela, uma linha, assim, de que a língua brasileira foi instalada nas montagens do Teatro de Revista, assim como a música popular brasileira, e o jeito de fazer teatro brasileiro é… vem, vem tudo dessas experiências, porque a gente fazia muito, eram muitas peças e era um movimento maior, numericamente falando, do que o movimento que tem hoje em teatro. Os teatros eram muito maiores, eram teatros que nem os teatros dos musicais, teatros de quatro mil lugares. Vocês devem ter visto isso lá naquele, naquele documentário. Mas eu tô falando de antes, até. Teatros do tempo quando o Teatro de Revista tinha uma estrutura mais rígida, digamos, mais convencional que o tempo do Arthur Azevedo, da Revista de Ano, eles eram imensos e a gente instalou o jeito de falar à brasileira, um jeito de interpretar à brasileira, e a agilidade, porque… eu assisti muito à Revista na Argentina e em Portugal. Não assisti na França, mas a Itália também teve. Por incrível que pareça, o primeiro autor de Teatro de Revista na Itália é um brasileiro chamado Carlos Gomes. A Revista existe, está lá no Scalla de Milão, lá no museu, que eles têm o museu do Scalla. Mas, ela é uma Revista italiana, falada em italiano e não é boa. E o Dário Fo começou com o Teatro de Revista. Então tá, tá tudo ligado! Tem uns que fala assim (falas sobrepostas) já passou, não sei quê… não, a Revista hoje, se for pra fazer, ela teria um outro discurso, porque não… não dá pra você fazer com aquela estética machista, que só a mulher boazuda que é gostosa, que interessa. Mas a estrutura da Revista é, uma revista… é uma estrutura que a gente pode aproveitar, se quiser. Mas, é que é muita gente, é muito caro, tem uma série de complicações aí no meio, mas, que a estética brasileira influencia, influencia muito! Toda vez que tinha festival Internacional que… Eu fui para Cadiz… É impressionante como o teatro brasileiro influencia, e o teatro popular também. Eu vi um Ricardo III, que o Vilella fez com os Clowns de Shakespeare, que eu não sei se vocês viram. Eu vi em Cádiz. Gente, as pessoas gritavam de felicidade, porque é completamente diferente do teatro europeu que aparece. Então a estética brasileira é forte, ela influencia. Agora, eu não sei de que forma, se a gente tem que trabalhar mais nisso ou não, se isso acontece naturalmente, né? A Mônica falou das Chanchadas. As Chanchadas, é, eles chamavam de Filme de Carnaval e é exatamente a continuação da Revista, que passa pro cinema. É, com… tem a perseguição, tem o encontro do final. São vários quadros, aí o cara tá correndo atrás do outro e entra numa boate, que tá tocando a música. As músicas são todas justificadas. Então, eu já fiz banca… porque, no final das contas, depois daquela minha tese, apareceram outros milhares de trabalhos. Eu tenho um monte de filho, no Rio de Janeiro, no nordeste, né? Desse pessoal que trabalha com teatro popular, que tem muita gente agora, muita gente, já fiz muita banca. E, a gente sabe que essa estética é forte e que essa estética alucina e seduz o pessoal fora do Brasil. Fala assim “ai, a Argentina também tem Teatro de Revista”. Tem, mas é uma revista calcada na beleza das mulheres, não é um Teatro de Revista como o nosso, que tem aquelas músicas fantásticas e aqueles cômicos maravilhosos. O Teatro de Revista em Portugal, que me perdoem os portugueses, é muito fraco, embora… eu tô falando o jeito de fazer. Nós estamos falando da estética brasileira. Eu tô falando de uma estética brasileira que a Unicamp contribuiu muito, porque tinha Monteiro, tinha o Pessoal do Victor, tinha muita gente que estava trabalhando, que você trabalhava com o texto do Soffredini, muita gente trabalhando com essa estética. Eu acho que…
Mônica Sucupira: Oh, Neyde, deixa eu fazer uma perguntinha aí no meio.
Neyde Veneziano: Oi?
Mônica Sucupira: Deixa eu te… deixa eu te fazer uma perguntinha. O teatro que o Zé Celso faz, ele tem um, ele bebe no Teatro de Revista também? Me veio agora isso.
Neyde Veneziano: O Zé Celso, eu acho, assim, que ele é uma criatura que sabe tudo de teatro. Ele sabe de iluminação, ele sabe, ele sabe muito! Você fica vendo o Zé Celso falar, o Zé Celso é… só que eu acho que ele abusa e faz coisas muito, muito longas, muito, sei lá, é um teatro que eu acho assim: é bom, mas não gosto. Como é que eu posso explicar isso? Eu não, não me queiram mal por isso, é porque é muito longo, é muito cheio de signos, você tem que traduzir aqueles signos e tem que penetrar no universo dele, né? E é, é muito, é assim, não tem um compromisso com a razão. “Eu vou mergulhar na, sei lá, no inconsciente”, quando ele… e mergulha, mergulha no inconsciente teatral, não é? As pessoas amam porque tem bons atores, é muito… tem coisa muito bem-feita. Eu acho ele fantástico, mas eu acho que ele se alonga, não sabe a hora de acabar. Não para mais, não. Mas, ele é muito da linha brasileira, muito da linha brasileira.
Carla Hossri: É.
Neyde Veneziano: Fala, Carlinha.
Carla Hossri: Neyde?
Neyde Veneziano: Tá na hora de acabar?
Carla Hossri: Não, tá acabando, espera aí. Eu preciso falar do seu marido, precisamos falar do Perito. Que foi um grande companheiro de vida, de… de bastidores, de criação e a gente se lembra muito dele na Unicamp, ouvindo, assistido peça. Ele sempre junto, dando a maior força pra você. Ah, então conta, pra quem não sabe, a importância que o Perito teve nessa parte de dramaturgia, durante a sua vida e a sua pesquisa?
Neyde Veneziano: Olha, enquanto você estava falando, eu me lembrei de uma frase… foi agora mesmo! D’A Ceia dos Cardeais. A Ceia dos Cardeais tem… os três cardeais estão conversando. Ela era muito representada aqui no Brasil. Os três, um texto português, os três estão lembrando de quando eles eram jovens, né? E, aí, o último cardeal, que conta do grande amor da vida dele, que foi uma menina, não sei quê, não sei que lá, e ela morreu. Aí, ele fala assim “foi este anjo, ao morrer, que me fez cardeal”. Acho que eu vou falar que foi o Perito, ao morrer, que me mandou pra São Paulo fazer teatro, entendeu? E isso é uma coisa muito clara, porque o Perito era de Limeira e ele fazia teatro e fazia rádio lá, e ele era de uma família de teatro, porque o pai dele tinha feito Teatro de Revista e tinha uma tradição que o avô dele fazia A Ceia dos Cardeais, depois, ele fazia, depois já tem um sobrinho que faz também. Então, todo mundo sabe o texto dos cardeais. É muito engraçado. Eles têm vozes lindas. E aí nessa, nessa junção comigo, que eu comecei a estudar, o Perito era muito mais intuitivo do que eu, e escrevia muito bem. Eu acho que eu casei com ele porque ele não errava no português, porque quando a gente foi datilografar a peça do Soffredini, ele não errava nada e eu fiquei apaixonada. Sabe aquele sapiens sexual lá? Falava “nossa, ele escreve bem, ele fala bem!”, então era… achava o máximo. E aí deu, deu uma liga muito boa, porque eu estruturava e ele escrevia. E o soffredini falava que quando tinha diálogo popular, que tinha que ser o Perito pra escrever, que fazia melhor do que ele. Porque o Soffredini era poeta. Ele escrevia com a alma de mulher. Ele sabia bem a…a mulher, né? E, também pegava coisas do folclore, tudo, coisas fantásticas. Mas, quando… ele falava assim “ai, quando tem cena de bar, quando tem cena, ninguém melhor do que o Perito pra escrever!”. É muito engraçado isso, porque o Soffredini chamou o Perito para escrever, eles escreveram uma novela juntos. Da… no SBT. Então, o Perito, eu acho que ele escreveu muita coisa que eu fiz, muita coisa. No fim, eu nem procurava mais peças, porque tudo o que eu tinha ideia ele escrevia pra mim. Então, depois do Revistando… antes do Revistando, já tinha feito isso. Eu fiz uma Opereta que chamava A Miúda Alegre, que era uma paródia d’A Viúva Alegre. Eu fiz a… O Dom Pedro… chamava A Marquesa de Santos, que era o máximo! E eu fiz, junto com o pessoal da Unicamp, logo que eles se formaram, eu fiz o Deixa qu’eu Empurro. Eu não sei se aqui alguém teve a oportunidade de ver, que era lá no Teatro de Arena, que aí tinha os dois neguinhos, que cantavam todos os eufemismos de.. pra trepar, né? “Ai, que vontade, que vontade que dá”, era… a Simone era uma que fazia. Era a Simone e a Dani Tannus. Fala.
Carla Hossri: Mas, ele fez Livres e Iguais…
Neyde Veneziano: Fez, Livres e Iguais
Carla Hossri: Como, Piolin
Neyde Veneziano: Piolin
Carla Hossri: Ele escreveu um monte!
Neyde Veneziano: Ele, isso mesmo, isso mesmo. O Piolin era um texto muito bonito. É que o Piolin, eu tava muito insegura. É, sabe quando a gente chega em São Paulo e a gente tem uma filha em Santos e a gente acha que a gente não sabe? Porque o mundo, em São Paulo, era muito diferente do mundo da Unicamp. Eu, na Unicamp, se eu errava, os alunos me xingavam, se eles erravam, eu xingava eles, a gente era família, a gente ia em frente, porque a gente tinha um objetivo, que era fazer uma obra, né? A gente queria um espetáculo. Agora, ali era uma disputa tão grande, que eu levei um susto! Eu…assim, o espetáculo saiu bonito, o texto era lindo, a gente foi pra Curitiba. Mas, eu não fiquei muito confortável ali, naquela, naquela montagem. Tanto que o Hugo, agora, fala comigo. Ele até… A gente ficou de bem depois, que a gente de teatro fica de bem!
Carla Hossri: Eu me lembro!
Neyde Veneziano: Mas, deu muito problema. E o texto era bom texto. Era bom! Agora, eu acho que um dos melhores textos dele é o Deixa qu’eu Empurro, além do Revistando. O Deixa qu’eu Empurro era muito legal. E, aí, ele morreu em 2002, em dezembro, quando a gente voltou da Itália. Eles foram pra Itália comigo. O Rodrigo não foi, mas a Manuela foi. Ele morreu em dezembro, e aí Manuela morreu trinta e dois dias depois, em janeiro. Então, aí eu fiquei assim. Aí, como eu fiquei assim… Eu tenho amigos por aí, né? Aí, o Antônio Mercado me ligou para eu ir dar aula em Portugal. Aí eu fui morar em Portugal, morei seis meses lá em Coimbra e… foi bem difícil, mas a gente, estando longe, a gente se recupera, talvez, não sei, de um outro jeito. Eu, às vezes eu lamento. Outro dia eu assisti a um filme que falava que a gente tem que fazer luto. Gente, eu não fiz luto.
Carla Hossri: Não, eu não acho.
Neyde Veneziano: Eu fui, eu fui trabalhando. Fui, sei lá. Não é que eu não sentia, eu sentia muito, mas eu não fiz o luto assim, de ficar fechada, ficar parada pensando, nossa, eu parti pra luta. Não sei se foi bom ou se não foi.
Mônica Sucupira: O seu luto foi mais interno do que externo, né?
Neyde Veneziano: …meu jeito de ser na vida.
Carla Hossri: Exatamente. Agora, a Mônica e a Aninha, começa…. Elas têm uma pergunta complementar, duas perguntas complementares para você. Tá acabando?
Ana Célia Padovan: Oh, Neyde, você tem aí…
Neyde Veneziano: É a Ana que tá falando?
Ana Célia Padovan: É, aham! Vou te perguntar sobre a experiência com o documentário, é… Mamãe Quero ser Vedete. Como que foi isso na sua vida? Como surgiu a ideia? O projeto, né? Como você se voltou para isso, né?
Neyde Veneziano: Olha, você ve como a Unicamp…
Ana Célia Padovan: Como é que foi isso, assim. A gente sabe, a sua pesquisa é toda no Teatro de Revista, né? Mas, bacana saber, depois de tanto tempo, né? Recentemente a gente foi ter esse contato com esse, com esse documentário super demais, lindo, maravilhoso, né? É tudo que acho que a gente que queria ser atriz… “Mamãe quero ser vedete”, tá ali, no seu documentário. Muito legal! Eu só queria saber um pouco dessa experiência.
Neyde Veneziano: Isso aí foi assim, eu… o Teatro de Revista ficou grudado em mim e não saiu mais, né? Virou uma tatuagem. E… porque eu fiz o mestrado, eu fiz o doutorado e depois ainda escrevi um livro sobre… porque eu era muito amiga do Rubens Ewald desde criança, os pais eram amigos, a gente ia casar e não casou, mas era assim, a infância foi com o Rubinho. E aí ele tava de diretor da Imprensa Oficial, que lançou a Coleção Aplauso. Aí ele falou “escreve um livro sobre Teatro de Revista”. E eu escrevi o de São Paulo, o De Pernas pro Ar, que é muito gostosinho, até a Kaya outro dia tava falando desse livro. Aí, eu que… o Rubinho da Unicamp, o Rubens da Unicamp, ele andava para trás de mim e falava assim “escreve o manual mínimo da vedete”, porque tinha o Manual Mínimo do Dario Fo, né? Do ator. E eu falei pro Rubinho, falei, “eu vou escrever então o Manual Mínimo da Vedete”. Ele falou “que nome horrível! Você me escreva As Grandes Vedetes do Brasil, não Manual Mínimo, porque mínimo não vai dar certo”. Aí, o livro se chamou As Grandes Vedetes do Brasil, que é um livrão enorme, que tem um monte de fotos, é bonito, tudo. Aí, ele saiu, mudou o governador… no Brasil, quando muda governo, passa o trator, e a Coleção Aplauso foi desmontada, porque passaram o trator lá, e a Imprensa Oficial não promove mais, não, não produz mais livros, livros. Aí é só o Diário Oficial do Estado, a Imprensa Oficial existe para fazer o Diário Oficial, só. E aí eu fiquei com o… e eu tinha o livro e o livro tinha sido esgotado muito rápido, porque foi lançado no Natal. Todo mundo gostava. Tinha fotos lindas das vedetes todas, porque tinha mais, muito mais vedetes do que no documentário. Aí eu pedi, eu liguei lá no diretor da imprensa oficial, ele falou “não, minha Senhora, pode fazer o que quiser com o livro, porque nós não vamos reeditar”, e não dava para reeditar, porque é um livro caro, que tem um designer, até chamar todo mundo tinha que começar do zero, né? E aí eu falei, vamos fazer um documentário, porque eu tenho um filhinho que faz… que, ele não é cineasta, ele já fez várias direções de fotografia, trabalha com o pessoal da HBO. Agora ele anda transmitindo o Balé da Cidade de São Paulo. Tá bonito, né? A Carla até acompanhou. Então ele, ele fez a fotografia e a gente fez quase sem dinheiro. A gente ganhou um edital do PROAC, mas era, não era edital, perdão, era o ICMS e a gente pegou metade do orçamento, foi com metade. Mas, deu tão certo, porque todo mundo gostou da ideia e todo mundo trabalhou quase que de graça. E a gente ia para o Rio com o nosso carro, punha as coisas no carro. Sabe, feito assim? Foi desse jeito, foi muito legal! E agora que tá dando certo, agora que está sendo exibido, porque demorou muito, foi… a gente acho que terminou em 2018, sei lá. É, demorou muito pra ir pro ar. Não, é eu, eu não me lembro quando a Virgínia Lane morreu, mas eu peguei a Virgínia Lane, a Marli Marley, né? E elas já morreram, então virou um documento histórico, né? Porque foi a última entrevista que a Virgínia Lane deu. E o Dario Fo fez Teatro de Revista, então, a Revista tá ligando tudo sempre, sabe? Ela, ela não é um Teatro de Revista “oba-oba, rebolado”. Ela é “oba-oba, rebolado”, mas ela tá, assim, na veia do brasileiro e o meu trabalho tá ligando desde o Dario Fo na Revista até as vedetes, eu acho. Eu não fiz porque as vedetes são bonitas, eu fiz porque as vedetes são importantes, elas foram atrizes. Pronto.
Carla Hossri: Desculpa.
Mônica Sucupira: Eu não sei se a Ana Célia quer falar alguma coisa. Quer falar, Ana?
Ana Célia Padovan: É, eu ia perguntar se tem, é… nessa linha de documentário, né? Na linha cinematográfica, se você tem novos projetos, se você pensa em trabalhar com outras outros projetos
Neyde Veneziano: É, eu queria fazer duas coisas, Ana, mas, eu não sei se eu vou conseguir, porque tem que entrar nos editais agora. Eu tô com o projeto da família Pimenta pronto, porque eu fui orientadora do doutorado da Dani também, e acabei interferindo lá, pra ela publicar o livro na Imprensa Oficial. E eu gosto muito de Circo também e, quando eu estava na Itália, a Franca Rame era de uma família que chama famiglia d’arte, que são descendentes da Commedia dell’Arte e que tem um vilão, a dama galã, a mocin… o enamorado, a enamorada. Ele é a mesma estrutura do Circo, só que não é um circo de pau fincado, é um circo de madeira que anda pela cidade, mas os pais dela eram nômades também. Ela fazia esse teatro. Aí eu fiquei fascinada e comecei a achar que o Circo-Teatro tem tudo a ver com a famiglia d’arte. Aí eu falei pra Dani, e aí, a Dani… tem a história do tio avô dela. Aí, eu montei …E o céu uniu dois corações, adorei, e montei em Florianópolis. E aí, eu tô namorando essa história aí e, agora, o projeto tá pronto. Eu vou entrar no PROAC, vamos ver se vai dar certo, né? Porque não dá pra fazer sem dinheiro, porque você tem que chamar… tem que alugar equipamentos, porque não é uma câmera só, é muita coisa que vai. Você tem que ter, levar as pessoas pros lugares para entrevistar, então, eu tenho… Eu tenho que arrumar dinheiro, vamos ver.
Mônica Sucupira: Oh, Neyde, deixa eu, deixa eu entrar aqui pra gente finalizar o papo. Antes de finalizar o papo é… essa pergunta é de todos nós. É, Santos, Campinas, São Paulo, Portugal. Direção, atuação, Itália, roteiro, escritora, academia, prática: você é uma pessoa que transitou por todas essas áreas com conhecimento, criatividade e conteúdo. O que você mais gosta de fazer? Se você pudesse escolher? E por quê?
Neyde Veneziano: Olha, houve um momento em que o que eu mais gostava de fazer era dar aula na Unicamp, porque lá eu podia montar as peças. Depois que eu saí, eu tive aquele vácuo, porque aí eu tive o período que eu tive que me reinventar. Hoje, o que eu mais gosto de fazer é de dirigir. Eu quero ser atriz e não quero… mas, dirigir, eu adoro! Não no sentido de mandar, mas no sentido de levantar a cena. Acho que o que eu mais gosto é pegar uma cena escrita e pensar como é que ela vai ser transportada para… pro palco, com os atores, na voz daquele ator que vai fazer diferente do outro. Eu acho que nesse… não é nesse momento, é que, assim, é o resultado de tudo que a gente ensinou e eu acho que tudo isso eu devo mesmo a todo esse período, porque assim, “ah, você andou por vários lugares!”. Eu andei, mas eu acho que o período mais importante da minha vida foi o período que eu tive na Unicamp, porque eu saí de Santos, eu não passei por São Paulo, eu dei um Salto de Santos pra Campinas, que… e em Campinas eu comecei a entender o que era sistematização, o que era mergulhar, o que era até discutir e depois fazer, e depois é, o objetivo era produzir uma obra. Eu acho que esses foram os anos que eu mais fui a Neyde, ou os anos que eu construí o que eu sou. Teve um dia que eu cheguei no médico e eu falei “nossa, eu sou a pessoa que eu queria ser quando eu era novinha”. E agora não, agora eu já não posso dizer isso porque eu estou caindo aos pedaços, mas, mas os anos que eu passei na Unicamp eles foram absolutamente decisivos. Mas, não foi só na parte de aprender teatro… porque a gente estudava muito, qualquer peça virava uma tese, né? A gente ia montar uma peça e virava uma tese, mas o fato de aprender a conviver com pessoas e pessoas que tinham um nível, não vou dizer que era um nível acima, mas era. É… um nível. Assim, eu tava… eu me sentia entre os meus pares. Dá pra entender, né? A gente era treinado para isso. Então, quando vocês montaram este grupo, eu, o que eu senti foi isso. Eu falei “gente, fazia muito tempo que eu não voltava pros meus pares”, porque quando eu me aposentei, eu fui trabalhar na Secretaria de Cultura, porque eu fiquei viúva, daí o Edmur era Secretário de Cultura e me chamou pra São Paulo. “Não, você precisa ir pra Secretaria do Estado da Cultura”. Eu era assessora de Artes Cênicas no gabinete. Eu não aguentava fazer reunião com eles, porque eu não estava entre os meus pares. As pessoas não falavam com o pensamento estruturado, que é o que nós temos. Quando eu vejo tudo o que vocês põem lá, que vocês postam, a gente tem um pensamento. Não interessa que, se você gosta mais do amarelo, outro gosta mais vermelho. Não estou falando de gosto. Eu tô falando o pensamento lógico. A gente tem um pensamento estruturado e é um pensamento Unicampense Feliz. Eu acho, hein? É sério!
Carla Hossri: Queridona, para de falar, que depois da entrevista a gente quer saber o que que você faz para ficar tão bonita! Mas depois você conta, tá bom? É, olha, a gente tem uma surpresa pra você. Agora, um recado muito carinhoso. É… que a gente pensou em você e eu espero que você goste, tá bom? Tá pronto aí, Mô?
Neyde Veneziano: Gente, muito obrigada, eu, eu tenho… eu, eu vou falar de novo?
Mônica Sucupira: Sim.
Neyde Veneziano: Acabou a minha parte?
Mônica Sucupira: Eu sei, depois você fala, Neyde.
Neyde Veneziano: Tá bom.
Carla Hossri: Depois você fala, Neyde, espera aí! Presta atenção no recado.
(som indistinto)
Mônica Sucupira: Eu vou, eu tenho que, é pra desligar os microfones.
Rodrigo Veneziano (em vídeo): Olá, boa tarde a todos, à Neyde! Durante muito tempo as pessoas me perguntavam como era ser (transmissão interrompida)
Olá, boa tarde a todos, à Neyde! Durante muito tempo as pessoas me perguntavam como era ser filho da Neyde Veneziano? Principalmente quando eu ia na Unicamp. Eu levava ela de carro entre meus 15 e 17 anos e ficava dando umas voltinhas lá pra aprender a dirigir. Ainda volt (transmissão interrompida)
Olá, boa tarde a todos, à Neyde! Durante muito tempo as pessoas me perguntavam como era ser filho da Neyde Veneziano. Principalmente quando eu ia na Unicamp. Eu levava ela de carro entre meus 15 e 17 anos e ficava dando umas voltinhas lá pra aprender a dirigir. Ainda voltava guiando na estrada. E aí, era normal essa pergunta “nossa, você é filho da Neyde, como é que é isso, cara?” E eu, pra mim, achava aquilo supernormal, porque era a minha mãe, aquela pessoa que me dava bronca, aquela pessoa que me levava na aula de música, na aula de inglês e me buscava. Às vezes intermediava numa bronca mais forte do meu pai, era mãe. Mas, foi passando o tempo, eu fui vendo a consideração que ela tinha com grandes nomes artísticos, como Jô Soares, como o Silvio de Abreu e fui vendo que a minha mãe realmente era uma pessoa incrível e hoje, depois de as perdas que a gente teve de família, a gente ficou muito mais próximo, a gente ficou muito mais parceiro, muito mais amigo. E hoje eu vejo que a minha mãe é além do incrível. Com todas as questões na família, profissionalmente, é uma pessoa que, realmente, é fora do padrão, minha mãe é demais! E então, é isso. Então, dona Neyde, te amo muito, muito orgulho! Beijão do seu filho.
Carla Hossri: Liga o microfone, Neyde.
João André Garboggini: Caiu.
Mônica Sucupira: Acho que ela apertou um botãozinho lá errado, viu, Carla? Tá voltando.
Carla Hossri: Tá?
Mônica Sucupira: Tá sem conexão. Ah, voltou!
Neyde Veneziano: Voltou. Isso não vale, viu? Isso daí foi… tem muito, muito bom, maravilhoso! Eu, eu vou ouvir melhor na gravação, porque eu ouvi o final. Eu ouvi o final, não ouvi tudo porque o microfone… ai, mas vocês têm cada ideia, não? Vocês são demais! Vocês querem me… O Rodrigo fez contrarregra n’O Mandato.
Mônica Sucupira: Oh Neyde?
Neyde Veneziano: Oi.
Carla Hossri: Fala, Mô.
Neyde Veneziano: Não tô ouvindo agora.
Mônica Sucupira: Não, eu acho que a gente, a gente pode encerrar, não, Carla?
Carla Hossri: Podemos encerrar.
João André Garboggini: Neyde! Eu queria agradecer demais, você viu? Muito carinho por você, viu, Neyde? Você é demais, maravilhosa. Sempre achei, viu? Sempre achei, desde pequenininho, lá na Unicamp. Eu admirava você assim, falava assim, “ah, é hoje, tem aula da Neyde, eba!”.
Carla Hossri: Neyde, você é muito querida! Muito querida pelos ex-alunos, na classe teatral. Você é uma pessoa muito querida. Olha que coisa boa? Pelo seu talento, pela pessoa que você é. Você é uma pessoa incrível. Incrível, viu? De verdade, eu te amo. Eu sei que a gente tem uma questão para resolver. Um dia a gente resolve aquela questão do mestrado, mas eu te amo profundamente.
Ana Célia Padovan: Neyde, quero agradecer também a participação aqui. E, também, falar que eu tenho muito orgulho de ter sido, de ter tido o privilégio de ter tido duas montagens com você, duas montagens grandes que foram super marcantes para mim. Que eu aprendi muito, muito mesmo. Primeiro acho que participando do Arlecchino eu tive a oportunidade de ver, de conhecer a minha veia cômica, que eu não tinha muito essa noção, né? Eu acho que eu pude desenvolver isso nessa montagem e, depois, participando n’O Mandato, eu acho que tive um aprendizado grande também, porque como não era a minha turma e eu fiz algumas pontas, né, personagens pequenos, eu tinha que acontecer em pequenos momentos, então, pra mim aquilo foi um aprendizado de presença, sabe? De aprender a estar presente, né, pra mim. Eu lembro muito bem disso. Falo assim “nossa, o que eu… isso que eu não tinha no Arlecchino eu acho que eu consegui entender, o que é presença no teatro, aqui n’O Mandato, por causa da minha, dos meus pequenos papéis”, então só queria agradecer essa oportunidade, né? E falar que eu, eu fico super orgulhosa de ter sido sua atriz em dois espetáculos que você dirigiu e… tô aí, louca pra fazer mais. Falou! Obrigada.
Mônica Sucupira: Oh, Neyde, todo mundo já agradeceu. Eu só vou aumentar tudo isso que todo mundo falou, é a mesma coisa. E se eu puder um dia, o dia que eu crescer eu quero ser que nem você. Tenho uma grande admiração por você e adoro tudo o que você faz. Agora eu vou encerrar isso aqui do jeito que Celso Nunes encerrou o nosso, batendo Palmas.
Neyde Veneziano: Ai, gente, eu queria que todos os diretores e todos os professores do mundo, tivessem um dia como eu tive hoje, eu tô falando sério. Porque é uma delícia a gente sentir que a gente pode falar. Eu nem tinha pensado, a gente recapitulou tudo aqui. Eu acho que essa turma é fantástica. Eu adorei. Eu também estou muito honrada de ter, de alguma forma, contribuído com o curso da Unicamp e com toda essa formação das pessoas, porque a gente se orgulha muito, todos os professores. A gente se orgulha dos colegas, a gente se orgulha de vocês, então é assim. É isso, gente. Vocês também moram aqui, que nem o Celso falou. Mas não tem jeito de expressar melhor do que dizer: é pra sempre! Sabe? Esse sentimento que eu tenho por vocês é pra sempre. Obrigado!
Carla Hossri: Idem ibidem.
João André Garboggini: Obrigado, muito bom poder falar isso, viu, pra você!
Neyde Veneziano: Obrigada!
João André Garboggini: Um beijo grande.
Neyde Veneziano: Um beijo
Carla Hossri: Obrigada, querida.
Neyde Veneziano: Obrigada
Carla Hossri: Amamos você!
Neyde Veneziano: Tchau
Carla Hossri: Agradeça mais uma vez ao Rodrigo.
Neyde Veneziano: Tá bom, obrigada, obrigada!