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Marcio Aurélio

Confira a transcrição da entrevista na íntegra:

Mônica Sucupira: Boa tarde, Marcio! Boa tarde, Paulinho, boa tarde, João André, boa tarde Dani, boa tarde Ana Célia. É uma delícia estar recebendo o Marcio Aurelio hoje em nossos encontros, pra gente bater um papinho com ele. Para fortalecer, e pra contar um pouquinho da história dele pra gente, da história da Unicamp.

A Carla vai estar coordenando os trabalhos, e a gente vai estar conversando com você Marcio. Esse é um trabalho que a gente tá fazendo para contar a história dos primeiros anos da Unicamp, dos profissionais que fizeram, e estão relacionados a esse começo da Unicamp.

Carlinha pode falar.

Desliguem os microfones, por favor.

Carla Hossri– Iiiissso, menos o do Marcio.

Bom eu vou fazer uma apresentação rápida do Marcio Aurelio: Marcio Aurelio Pires de Almeida é ator, diretor, iluminador, figurinista, cenógrafo, designer de som, tradutor, dramaturgo, músico, professor e livre docente em teatro.

Marcio você é um dos professores mais respeitados e queridos do Departamento de Artes Cênicas, e eu não tô falando à toa não, a gente percebe, quando a gente falou que ia conversar com você, a alegria, a empolgação de todo mundo, mesmo de quem não tá participando. Então, eu tô aqui orgulhosa, tô feliz que você tá aqui conversando com a gente. 

Antes da gente começar eu vou apresentar rapidamente os alunos, todos aqui foram alunos do Marcio, são pupilos do Marcio, da Unicamp. Primeiro a Ana Célia Padovan é atriz formada na primeira turma de teatro da Unicamp, e é professora de teatro. Daniele Pimenta é atriz e professora da Universidade Federal de Uberlândia, com pesquisas dedicadas ao circo e ao circo-teatro. João André Garboggini é ator, doutor em Artes Cênicas pela Unicamp, e foi professor da Puccamp durante 16 anos. Mônica Sucupira é atriz e diretora graduada em Artes Cênicas pela Unicamp, coordenadora da Cia. da Hebe, tem experiência em roteiro, rádio, poesia, educação e preparação de elenco. 

São essas pessoas que vão entrevistar e eu gostaria de agradecer ao Paulo Marcello que faz parte da companhia do Marcio, da Razões Inversas, que ele tá aqui dando apoio técnico para o Marcio. 

Bom, vamos lá! Marcio eu vou começar com uma pergunta que a gente tem feito pra todos os professores. Então é uma pergunta recorrente. Você fez parte de um grupo de professores como, com a Neyde Veneziano, com a Marcília Rosário, com a Maria Lúcia Candeias, com o Reynaldo Santiago, esse grupo ajudou a pensar, a formatar o departamento da Unicamp. Como foi isso Marcio? E qual o diferencial que vocês queriam implementar, criar na Unicamp?

Marcio Aurelio: É muita coisa.

Carla Hossri:  É.

Marcio Aurelio: Vamos dev… (devagar) vamos organizar um pouco mais. 

Carla Hossri: Tá bom, fique à vontade!

Marcio Aurelio: Primeiro… falar sobre a minha ida para a Unicamp. Eu tinha feito um… tava fazendo mestrado com doutorado e tinha um grupeto que era Neyde, Maria Lúcia, o Celso Nunes e, quem mais que tinha? 

Carla  Hossri: Marcília? 

Marcio Aurelio: Não. É, essas pessoas viram um seminário que eu participei e vieram conversar comigo. Eles já formavam, junto com outras pessoas, o Núcleo pensante do departamento, do que iria ser o Departamento de Artes Cênicas. É… Eu fui a princípio convidado para dar aula de estética e pegava do expre… (expressionismo) não do, do início do teatro alemão é e chegava até… Bom, é, eu falei “bom, tá bom, vou fazer, vou lá ver”. E aceitei, porque gostei demais das pessoas. É…no intervalo do debate que eu organizei, é, teve um espaço pra gente se colocar e se mostrar muito livremente. Maria Lúcia sempre enlouquecida com conceitos e, e participante de bancas, não só de mestrado, doutorado, mas como crítica. Maria Lúcia tava ligada à crítica. Então a Neyde pegava o Teatro Brasileiro, é…. o Celso pegava toda experiência que ele teve no Brasil e na Europa, trabalhando com Grotowisky e outras personalidades, então tinha um grupo, me perdoe se esqueci de alguém. 

Carla  Hossri: Tudo bem.

Marcio Aurelio: E, e aí, é, logo que fui iniciar o curso, eles falaram assim: ”no próximo semestre você vai pra outra, outra turma”. Eu disse assim “mas como assim?”, “não, você vai pro realismo”. 

Aí eu comecei, aí nessa passagem, eu comecei a participar. Então, tinha uma visão muito sólida, porque essas pessoas que eu falei, elas têm, tinham uma experiência que precisava ter pra organizar.

Bom, no segundo ano que eu fui pra Unicamp, eu era contratado por curso, só, eu fui chamado pra dar aula sobre realismo, realismo crítico. Aí começa a enveredar por outro caminho, porque fatalmente eu iria passar pelo Brecht. Brecht foi uma alavanca pro meu estudo, ele me serviu criticamente pra pensar o movimento da história do nosso teatro que caminhava a passos largos. Então, bom, eu tinha participado anos antes de alguns cursos na USP. E lá eu fiz um trabalho com a Maria Lúcia Pereira, que era atriz, última turma, ultima aluna da turma dela, e eu fiz um espetáculo chamado “As mulheres de Brecht”… Bom, Maria Lúcia cantava representava, vendia pipoca.  Aí, ela ficou muito entusiasmada. 

E essa experiência que tive com Maria Lucia Pereira foi especial, porque de repente eu criei um espaço pra existir intelectualmente, culturalmente, e passei anos da minha vida estudando Brecht. É…. ele, até hoje é bandeira pra eu rever toda minha ação como encenador, como diretor, como essa lista inteira que a Carla falou. E foi muito bom. Foi muito bom. Porque eu já cheguei na Unicamp com carteirinha carimbada. Então, quem já era carteirinha carimbada e quem não era carteirinha carimbada. 

O meu curso, ele abria uma proposta que era encontrar um espaço. Esse espaço vai ser usado de forma a mostrar, revelar a ação social e a sua transformação. Eu tive a oportunidade de dar esse curso durante anos, e foi muito importante na formação dos atores, porque eles tinham um espaço seu de inventividade. 

Então nós pegávamos um trabalho que a Mônica ia fazer, o Paulo Marcello chegava e ia fazer o apoio e suporte pro trabalho da Mônica. A Mônica não ia poder participar, convidava a Ana Célia. A Ana Célia chegava lá apresentava as ideias dela e derrubava metade do trabalho da Mônica, e começava tudo de novo. 

Quer dizer, então era um samba! Muito solto, muito livre. Ao mesmo tempo muito rígido porque, é.. não se trata de um teatro qualquer, se trata de um teatro pensado, estruturado pra você pensar e atuar criticamente na sociedade. É.. bom, vou parar por aqui. 

Ana Célia Padovan: Marcio, posso completar aqui a pergunta da Carla? É…. se você acha que, se você concorda que o perfil acadêmico e artístico do profissional, do professor, ele, ele deixa marcas, né, no curso, no perfil do curso?  Se você concorda com isso, e se você acha que a sua marca, é … foi deixada no curso de Artes Cênica da Unicamp, né? É, quer dizer, não se você acha que, mas é, como vê que a sua marca foi deixada no curso de Artes Cênicas da Unicamp.

Marcio Aurelio: Pergunta de novo, melhor, Ana Célia.

Ana Célia Padovan: É. É só fazendo uma, uma…  Eu acho que você já, já respondeu, já falou bastante, é, mas assim completando, é, a sua marca, a marca de um professor, a marca….ah, desculpa, vou fazer de novo a pergunta. 

Se você acha que o perfil artístico e o perfil acadêmico de um professor, de um mestre, é… ele, é, determina o perfil de um curso de artes cênicas?  E no caso do nosso curso de Artes Cênicas, né, se você vê uma, uma marca nesse perfil do que o curso é hoje? 

Marcio Aurelio: Ana Célia…

Ana Célia Padovan: Ficou confuso ainda? 

Marcio Aurelio: Não, mas vamo aí.

Eu acho que o professor, claro que acaba marcando a sua passagem. Porque você imagina um grupo de garotinhos e garotinhas de vinte e poucos anos, que saem de um mundo completamente esquemático e entra num outro mundo que é de viração, que é de vir a ser, que é ser. Então, na verdade, você tem, é…. as marcas de cada professor, porque é muito novo pros alunos o que tá sendo ensinado. 

Eu vou pegar um dos últimos trabalhos que eu fiz na Unicamp, que foi uma montagem do Édipo Rei. É…  ponto de partida. É… nós somos uma massa que vai se moldar, e dessa massa vai sair as figuras, eu não chamava de personagem, chamava de figuras, as figuras que irão compor o universo poético do Sófocles. Foi, foi um “batidão” porque na verdade você tem atores hoje como o Chico, que fazia um Édipo absolutamente fantástico, é muito difícil você encontrar um aluno de 20 anos e 22 anos e dominar aquele mundo do Sófocles. Então, quando você pega essa turma e viaja com ela, a viagem é largar ou largar, porque não tem, não tem outra coisa senão fazer, fazer no sentido de ação social, psicológica moral que o Brecht tem no seu teatro. Então você pega essa turma do Chico, e mostra, revela, como fazer uma possibilidade, mas a gente sabe que é uma possibilidade, porque tem um universo inteiro que ele pode rever, reorganizar, como sistema e…. se manter ao longo dos anos de cultura em transformação. Você tem, é, as pessoas, cada uma pegando o público, pegando um aspecto para analisar. 

Eu me lembro quando eu fiz, anos atrás, quando eu fiz uma montagem de Édipo Rei, é, éramos um nucleozinho, Elias Andreato, ah…, eu e a.. Edith Siqueira. A Edith fazia o Édipo, fazia, desculpa, fazia o Tirésias. O primeiro dia que ela chegou e foi mostrar o que ela tinha pesquisado do Tirésias, revelou para as pessoas que estavam fazendo, e depois para o público, a quantidade de informação que são processadas nesse caminho, nessa investigação. Tem outros que pegam só pela lírica, outros que pegam só pelo movimento, outros que pegam por sociologia. Enfim, são muito anéis pra poucos dedos, e você vai ter que chacoalhar a mão e começar tudo de novo, e vai ter que colocar a mão na massa, porque o teatro pede isso. Não sei, acho que fugi do assunto. 

Daniele Pimenta: Eu vou, eu vou aproveitar… eu vou aproveitar que a questão da Ana, que era sobre, é…., a marca que vocês deixam no curso, e também porque eu vim para uma visita rápida, não vou poder acompanhar toda a conversa, mas, eu fiz questão de vir pra poder contar um pouquinho do que foi isso pra mim, tá? 

Quando eu fiz… eu fui da turma que entrou em 1988, terceira turma, eu era bem mais quietinha durante a graduação, então, pouca gente lembra de mim, mas, então, eu acho que nunca te contei, Marcio, que o que, quem me levou para a Unicamp foi você. 

Eu fui uma criança… eu cresci no circo, passei minha adolescência me dedicando à música e à dança, fiz aquela, né, o percurso do piano, do balé, não me passava pela cabeça, não me imaginava fazendo teatro, até que em 87, a minha professora de balé falou “você precisa assistir a Marilena Ansaldi no espetáculo Hamlet Machine”, e eu fui. Eu não tinha nenhum repertório teatral, não tinha nenhum repertório de leitura, né, era uma adolescente, eu tinha 17 anos, que não frequentava teatro. Mas, quando eu assisti àquele espetáculo, quando aquele espetáculo acabou, eu estava muito transformada, totalmente transformada, eu falei “eu quero fazer isso!” 

Então, escolher fazer teatro e escolher fazer a Unicamp foi uma transformação na minha vida a partir desse conselho de uma professora, “Dani, você precisa assistir a esse espetáculo”. Ao longo… então, fui pra Campinas, fui pra Unicamp, fui sua aluna, embora não tenha te contado isso. 

Meu percurso depois mudou, e aí, é por isso que acho que tem uma ponte aí, do quanto os professores impactam na vida da gente, quem acabou me pegando pela mão desde a graduação e até hoje, foi a Neyde. Então acabei voltando às minhas origens, sou uma pesquisadora do teatro popular, uma atriz do teatro musicado, nunca encenei Hamlet Machine, (risos) mas, guardo, assim, de uma forma muito profunda aquela experiência. As experiências de ver Vera Holtz, Tônia Carrero sob sua direção, enquanto eu ainda era uma atriz em formação, ver essa potência dessas atrizes. Inclusive, é uma coisa que me deixou sempre muito tranquila ao longo de minha carreira, eu conhecia atrizes que tinham dificuldade de se abrirem, como seres criadores, pra um diretor homem, mas eu tinha essa referência do seu trabalho com essas mulheres maravilhosas. É…. e guardo hoje né, eu tô há 20 anos na docência, como professora do ensino superior, apesar de nunca ter interrompido a minha carreira como artista, e acho que essa é uma marca muito forte também: essa primeira turma de professores que a gente teve na Unicamp, era uma turma de profissionais artistas e docentes, isso foi incrível pra nossa formação! Eu me lembro que o nosso era o único curso que tinha o horário das 13 às 17, e a gente ia reclamar: “Por que a gente não pode ter mais uma hora de almoço?” “Porque os seus professores são artistas e eles tem que voltar para São Paulo, porque eles estão em cartaz”. Então, desde a minha entrada no curso, eu sempre enxerguei essa possibilidade de manter, de me manter como artista e como docente. E em particular, na minha relação com você, como professor, algo que eu trago até hoje, que eu procuro, como uma baliza, assim, pro meu trabalho como professora, não deixar a turma… ninguém acomodar. Eu lembro que na sua aula era impossível a gente fazer um trabalho meia boca, era impossível alguém ser preguiçoso, você tava sempre provocando, você tava sempre perguntando. E aí, isso é algo que tenho sempre comigo, foi revelador, foi transformador e faz parte da minha meta, da minha missão como professora, ou como diretora, nunca aceitar a resposta mais simples e nunca me contentar com as leituras mais superficiais de uma cena. 

Então, era isso que eu queria contar. Na época da faculdade acho que eu nunca contei pra você, que eu só fui pra lá porque eu assisti ao seu trabalho e isso transformou a minha vida. Vou encerrar, vou ficar mais alguns minutinhos só, acompanhando a conversa, então aproveito pra me despedir de todos e de você, em especial, com um carinho muito grande, pra eu não ter que interromper vocês na hora que tiver que deixar a sala. Então muito obrigada Marcio, por tudo!

Marcio Aurelio: Obrigado eu. É, eu quando eu aceitei o trabalho da Universidade, foi uma espécie de, de transformação, porque, eu tenho umas coisas pra falar do histórico também. Eu comecei a fazer teatro, buscando uma resposta. Por quê? Porque eu era muito pequeno, e fui fazer teatro da paróquia. Então, (fiz) um menino, um menino malvado, travesso, era uma coisa assim… Eu fiquei muito, muito…mal porque aquilo que eu tinha visto antes, com os outros atores fazendo seus personagens…não podia se dar, você não tem como estar em cena e tá no meio da plateia, mas se colocar em cena foi muito difícil, foi muito difícil, porque eu não ficava contente, nunca, com o resultado, tava sempre buscando mais, mais. 

Aí essa experiência do menino, que foi minha única experiência, eu, eu falava assim “eu não sei como que tá sendo lá fora, que que as pessoas tão vendo nisso”. Isso, eu era um molequinho, era um garoto de primário, mas eu já tinha essa sacação, e isso foi muito importante pra mim. Porque eu, depois, eu fui fazer teatro amador, mas, e foi, foi uma fase muito louca porque me ensinou, era um período… anos 60, começo dos anos, meados dos anos 60 e o teatro tava passando uma grande transformação. 

Você tinha o teatro feito pelo Nelson Rodrigues, mas cê tinha o teatro feito no Circo do Piranha. O Circo do Piranha, pra quem não sabe, é um circo que marcava ponto na região da minha cidade, que é Piraju. E eu fiquei fascinado por uma atriz que tinha no circo, essa atriz se chama Gessy, e eu ousei dizer, publicamente, alguns anos atrás que ela era uma espécie de Edith Clever, Jutta Lampe, as maiores atrizes alemãs. 

E a Gessy me dava como resposta um…um…uma busca para o jogo da representação. Ela tava grávida, ela fazia Dama Galã, ela vinha pro proscênio pra ficar mais perto do ponto, e ela olhava uma por uma das pessoas sentadas nas arquibancadas e, ai de quem duvidasse de que ela não era virgem! Então ela era, era mocinha, mas uma mocinha já experimentada, então era muito incrível ver aquela mulher, barrigão, uma barriga, e falando pras pessoas como se fosse uma grande dama. É muito emocionante você acompanhar esse processo todo. 

Aí, eu saí disso e fui pro colégio, e no colégio eu acabei ganhando meu primeiro prêmio, que foi uma montagem do… é… texto do Suassuna, e eu fiz a maquiagem do elenco, fiz cenário, fiz figurino, mas eu ganhei só prêmio de maquiagem. Foi uma, foi um acontecimento porque eu pintei o rosto de cada um e isso deu um susto, porque aí entra Jesus em cena, negrinho da cara pintada, cabelo que meu amigo Teozinho (ou Leozinho) tinha liso e foi feito um permanente que ele ficou meses com aquele cabelo, ele ficava com um ódio de mim, falava “quando é que vou tirar essa porcaria?”, e eu falava, “não, tem que segurar a onda”. É, enfim essas coisas pequenas do fazer teatral, mas que juntado dá uma salada de fruta, porque você experimenta, numa mesma experiência, sabores, texturas genuínas. 

Bom, eu saio de Piraju e venho pra São Paulo e vejo que no Teatro Oficina fazia o Rei da Vela, que era uma versão circense, operística, do modus vivendi daquela sociedade, daquele momento. Então, pra mim, vinha sempre esse… esse conjunto de coisas que precisa ser incentivado para dar bons resultados.

Eu sempre fiquei muito feliz dando aula, eu fui uma pessoa feliz, eu sinto falta. Mas nós passamos por tudo e o fim do teatro… nunca acabará, jamais, Ele vai ter sempre esse embate que nós estamos aqui nesse momento. 

Tem as vontades, os desejos e tem os sonhos. O teatro estimula o sonho, então você tá sempre buscando, e os professores da Unicamp sacaram isso de mim, porque eu fui, depois… (inaudível), eu fui dar o teatro contemporâneo. Então, as diferenças dos procedimentos do Stanislavski estava em Grotowski, estava enfim em todos os encenadores nos fins dos nos 60, entrando pelos anos 70. É, foi uma importante experiência pra mim, porque eu tinha que deixar claro pros alunos coisas que não eram fáceis de se deixar claras. 

Mas, fomos trabalhando dentro dessa busca, uma transformação da linguagem e fizemos o primeiro trabalho de formatura que foi o espetáculo Vem, senta aqui ao meu lado e deixa o mundo girar, jamais seremos tão jovens, tudo isso é o título da peça, tudo isso é o título da peça. 

Tem, tem… mexia com Kantor, por exemplo, a máscara da morte, a máscara da morte é uma coisa complicada de mexer, mas o Kantor preparou o terreno de uma forma muito fértil. Ver, por exemplo o Ubu Rei dirigido por Peter Brook, é um diferencial tamanho do mundo.

É, então, o que tinha, que foi… abraçando essa proposta eu pude fazer esse espetáculo de formatura, é, é muito bonito, quer dizer…

Porque meses antes eu encenei Hamlet Machine. O Hamlet Machine foi uma experiência genuína porque eu cheguei, é, um dia… Eu tinha feito um espetáculo chamado Pássaro do Poente. O Pássaro do Poente é um relicário, é um espaço de oração, de evocação, e tinha o talento indescritível do Paulinho Yutaka. O dia que eu estreei o Pássaro do Poente, eu tava muito mal, cansado, eu fui embora, eu fui embora mais cedo. 

Cheguei em casa, toca o telefone, toca o telefone, dizendo “aqui é Marilena Ansaldi, eu estive vendo seu espetáculo, gosto muito!” (Marcio sorri).  E disse, “eu quero te convidar pra fazer um trabalho”. 

Eu disse “bom, vamos fazer, vamos ver”, ela disse “não ‘vamos ver’ não, precisamos estudar muito, precisamos ver muito, um trabalho como esse que você fez é uma coisa importantíssima”. “Tá bom, vamos marcar pra amanhã”. 

Aí marcamos pra amanhã. Ela me liga e diz, “estou te esperando, a que horas exatamente está marcado?” “Quatorze horas”. Ela diz “tá bom, eu vou tá te esperando”.

Eu, quatorze horas bati na campainha da casa da Marilena, e ela me disse “é muito bonito o trabalho que você fez, eu quero dizer que é um conforto”. 

“Então tá bom vamo fazer”. 

“Eu quero saber: o que você precisa?” Falei “eu não sei”. “Como não sabe?” “Eu não sei, eu acho que a gente vai trabalhando e vai descobrindo exatamente o que nós precisamos pra fazer o nosso espetáculo”. 

“Não, eu já tenho um roteiro!” Falei “como já tem um roteiro?”  “É, tenho um roteiro, é, começa assim, passa assim, vem aqui, tudo isso é baseado no poema de Anaïs Nïn”. É eu falei, “muito bem”. 

Ela disse “isso é a primeira parte. A segunda parte serão personagens, mas aí eu espero, deixo na sua mão, você entende isso melhor do que eu no teatro. A segunda parte são as personagens”. 

Tudo bem, tudo acertado. 

“Vamos amanhã a que horas?” 

Eu disse “não sei, você que marca”, ela diz, “vamos marcar às 14 horas, aqui está o estúdio”, tudo escrito no papelzinho, “aqui tem o endereço do estúdio onde vamos trabalhar. Tá bom?”, fomos embora.

No dia seguinte ela chega “e aí?” Eu falei, “e aí? Eu quero saber o que você conseguiu andar”. Ela falou, “não, eu tô empacada. Porque eu não sei exatamente, além desse poema, desse livro da Anaïs Nin, o que que eu posso fazer”. Eu falei assim, “nós temos que ver esses personagens. Então, esses personagens, o que… isso é fantástico, reanimar (inaudível), estatura (inaudível). O que você quer?”

Falou, “não, o que você trouxe?”  

Eu falei assim, “eu trouxe, você me falou de Hamlet, Ofélia, coisas tão diferentes, eu trouxe aqui uma obra contemporânea chamada Hamlet Machine.”

Silêncio se fez. 

É importante saber como fazer e a hora de fazer.

Ela disse, “mas o que é essa peça?”

Eu disse “tá aqui. Você, você tem aí todos os personagens, a Ofélia, o Polônio, várias versões do Hamlet”, ela falou assim, “você”, toda diva porque ela é! Ela vem me diz assim, “você poderia ler isso pra mim?” 

Eu falei “claro, claro”. 

Ela sentou-se e eu comecei a ler. 

“Eu era Hamlet! (Marcio faz silêncio)”

Ela falou assim: “é bom, essa coisa que era e já não é mais, é bom”.

Bom, quando eu terminei de ler ela tava abalada, ela disse pra mim “é isso que nós vamos fazer”. Falei “primeira parte o texto da Anaïs Nin, segunda parte o Hamlet Machine do Heiner Müller”. 

Ela: “Não! Quem tem um texto como este não precisa de outras coisas, vamos fazer esse texto, porque esse eu não conheço, esse é um pulo no escuro, eu quero isso. 

Eu falei “tá bem, então vamos fazer”. 

Na semana seguinte eu tava trabalhando no salão com ela, toca a campainha, eu vou atender, e era o Ari. Ele fala: “eu precisava vir te buscar, porque você tem que ir para o hospital imediatamente. O seu pai teve um derrame e um enfarte”. Pensei “como assim?” Nós vamos embora. 

Aí foram 10 dias de morre, não morre, naquele sufoco. Meu pai morreu, foi o enterro. No dia seguinte eu liguei pra Marilena, disse “você me desculpa”, ela diz, “não, não tem que desculpar, pra morte você não pede desculpa”. (Marcio sorri e repete) “pra morte não se pede desculpa, isso é muito bom!?  Aí, de onde retornamos?” Eu falei aonde a gente ia entrar. Ela abriu o livro, o papel e falou “deitada sobre o caixão onde o mundo girava no compasso da putrefação”. Eu falei “puta que par…, olha só como as coisas vão se tramando, é uma coisa impressionante!” E aí, um mês depois estávamos em cartaz. 

É, é um espetáculo muito difícil, porque naquela época eu já tinha focado com a Marilena as multifacetas do texto do Shakespeare, só que ele, ele não perdoava, então ele que era ela, ela que era ele, ela como velha, ela como moça, Tristão e Isolda como sinônimo da atualização do texto do amor e do ódio. Então foi uma experiência muito louca.

O Heiner Müller, veio pro Brasil e falou que queria ver o Hamlet Machine, nós refizemos só pra mostrar pra ele. Foi uma noite memorável no MASP, em São Paulo, lotado, aquele auditório tinha gente saindo pelo ladrão e a Marilena entrou em cena e foi aplaudidíssima. Aí, quando terminou, teve um coquetel na casa do… do… esqueci o nome dele, do Marco Renault, dos pais do Marco Renault e fomos todos pra esse jantar. 

Aí, o Heiner Müller falou, “é impressionante porque eu imaginei esse texto feito por 2.000 pessoas, 200 pessoas, 20 pessoas, 2 pessoas, mas eu nunca imaginei feito 1 pessoa, mulher!  Isso, isso é uma coisa incrível”. 

Eu, quando terminou o espetáculo eu me perguntei, “que que eu faço agora?” Porque continua… Ele disse antes de ver o espetáculo, que ele estava indo para o teatro com a mulher, e aí ele perguntou pra Cristine. 

Cristine o que que é isso, como é esse espetáculo? Ele tava perguntando de um espetáculo que tinha sido montado por as maiores personalidades do mundo teatral daquele momento. 

“Não sei, cê tem que ver”. 

Terminou o espetáculo ele virou pra Cristine e falou assim, “eu não tenho palavras”, e não ter palavras pra um poeta, dramaturgo não pode ser coisa pior. 

Enfim, foi no meio disso tudo que eu tava plantando o meu desejo, plantando a minha vontade, plantado a minha entrega pra esse universo que é o universo do teatro. Eu não tinha uma formação acadêmica, fui fazer uma formação acadêmica, e… e esse estudo paralelo da academia me abriu os olhos para uma série de respostas que eu precisava. E continua até hoje nessa caminhada, é um prazer tá recontando, é uma honra (Mônica interrompe)

Mônica Sucupira: Oh, Marcio eu posso interromper um pouquinho?

Marcio Aurelio: Por favor.

Mônica Sucupira: Então, é que cê falou tanta coisa aí, que você já anulou tantas perguntas, que bom! Olha, eu tenho uma curiosidade muito grande… bom,   primeiro que que eu assisti Hamlet Machine no Masp, eu vi Marilena, eu vi o Heiner Müller ali, e só agradeço a você por ter visto tudo isso da sua vida.

E eu queria fazer uma pergunta, já que a gente tá falando de Heiner Müller, eu queria saber como você escolhe os seus textos. Você tem uma relação muito grande com o texto, né? E aí eu queria incluir na minha pergunta, falar um pouquinho sobre o Tide, o Alcides Nogueira, que você fez tantos, tantos textos dele. Lá no começo Tietê Tietê, Lua de cetim, depois você fez aquela trilogia Ópera Joyce, Gertrude e o Pólvora e Poesia. E aí, mais recentemente você fez Agreste de Newton Moreno. Newton Moreno era um ilustre desconhecido quando você fez Agreste. E aí eu queria saber dessa sua relação entre o dramaturgo e o teatro, e o texto e o ator. Por onde que vai, por onde que você caminha, como você escolhe, o que te inspira pra pegar um texto, esse texto e não aquele outro texto?

Marcio Aurelio: Bom, são muitas portas de chegadas e partidas. O Alcides é um grande amigo de Botucatu, nós nos conhecemos naquele festival de teatro amador que eu ganhei o prêmio, que já falei pra vocês, conheci o Alcides naquele Festival. Eu fiquei fascinado pelo teatro do Alcides, porque ele era completamente fora da casinha. Então você pega uma cidade do interior e vê personagens que, na verdade, são mais figuras que se mostram se revelam se chocam, e isso dá uma complexidade muito grande e fala mais com o contemporâneo, com o pensamento contemporâneo. 

Tem a leitura, a leitura cotidiana de textos que não permitem que você durma na curva. Por exemplo, vou aproveitar o Paulo Marcello aqui, foi um grande susto pra todos nós quando nós fizemos o texto é, o texto, como ele chama?  Do Flaubert, é, ele, Santo Antão

Nós começamos isso lá atrás, numa performance que a gente apresentou no Festival de Rio Preto. Aí, é o Festival de Rio Preto, aquele movimento que a gente sabe, que a gente já conhece, é uma maravilha! É um festival muito importante! Então nós fizemos uma performance baseado no texto (Paulinho assopra pra Marcio) Metafísica do Amor e da Morte, de Schopenhauer.

Dessa performance, quando terminou, o Ismael Ivo, meu grande amigo Ismael Ivo, que estava sentado na plateia, tinha vindo pro festival (Marcio para e imita a fala de Ismael Ivo): “Vocês têm que continuar fazendo isso, isso é muito bom! “

Foi na verdade o meu bilhete de, para eu trabalhar com a companhia do Ismael em Weimar. Então, esses saltos, esses voos, eles são, eles são muito importantes, porque quando eu vou fazer a Metafísica do amor e da morte, eu nunca imaginei que a versão final teria a Marilena Ansaldi dançando junto com o Paulo Marcello. É, é essa trama, que me interessa que me estimula a continuar no teatro. Então, pegar o Flaubert no momento que nós estávamos vivendo, as vidas particulares de cada um, profissional, é, foi muito importante.

O Hamlet sempre é importante! Porque é uma peça que dá sempre bem. 

Eu me lembro que quando eu montei o Hamlet a primeira vez, em 84, eu, um dia tava vendo o público entrar, e entra no meio do público o Flávio Rangel, diretor famoso, grande, Flávio Rangel.

Eu falo “ô, Flávio Rangel, tudo bem?” (indistinto) Eu disse “você vai sentar onde?”  

“Não importa onde vou sentar, eu ou sentar pra ver o Hamlet!”

Eu falei, “nossa, mas isso é pra balançar o coreto, hein?!”

Ele disse: “Não! Eu, quantos Hamlet são montados, quantos Hamlets eu vou ver, porque sempre aparece um tom da tinta, um lado rasgado da roupa, enfim, um pensamento que se transforma”. 

É! Então, eu tive esses professores. Eu tive Eugênio Kusnet que foi da última geração de diretor de ator. O Kusnet dizia pra mim, “você é bom, mas você vai ser muito melhor quando você deixar de ver com olhos de ver e começar a ver com olhos de sentir”. É para sempre!  Você pega as diferenças entre Eugênio Kusnet e Flávio Rangel são muito grandes, então você tem a oportunidade de montar o lego livremente (riso) e sem culpa. É muito bom. É muito bom. Então, eu … 

Carla  Hossri: Marcio? Marcio? Oi!

Mônica Sucupira: Fala Carla!

Carla  Hossri: Oi! Vou aproveitar que você tá falando do Eugenio Kusnet, falou do Brecht, é, você sempre, você sempre, você é considerado um diretor de ponta, aqui no Brasil, fora, você é de ponta. E, na verdade você trabalha com Shakespeare, Brecht, Kleist, o Alcides, que tem essa coisa popular. Como é que se dá isso na sua, na sua visão de encenador? Como é que você trabalha esse popular e o erudito na sua obra, nas suas obras.

Marcio Aurelio: Carlinha, tô adorando te ver!

Carla  Hossri: Ahn!?

Marcio Aurelio: Saudade!

Carla  Hossri: Eu também, morro de saudade Marcio.

Marcio Aurelio: Eu também, vamo conversar?!

Carla  Hossri: Vamo!

Marcio Aurelio: Olha, é você ser xereta. Você tem que ser xereta. Você, você conhece, por exemplo, A Bilha Quebrada, A Bilha Quebrada do Kleist é um texto muito complicado, porque o Kleist morreu por causa da peça. O Goethe foi montar A Bilha Quebrada, e aí ele (Kleist) falou, “isso é uma tragédia!”, KLeist falou: “tá tudo errado. Tá tudo errado”. (indistinto) 

Kleist e Fausto. Você fica sobrepondo os textos e você fala, nossa quanto a gente tem que estudar. Me lembro quando a gente fez a primeira versão da Bilha Quebrada (indistinto) do Torquato Tasso, tinha um amigo nosso que veio falar, você lembra, né, Carla? Veio falar, como era mesmo?

Paulo Marcello: do Goethe? 

Marcio Aurelio: Não, do Kleist. É, ah… esqueci…

O Kleist dizia “se você já tem conhecimento, não tem como você voltar antes do conhecimento, porque você tem novos compromissos”. Ele dizia “não dá pra fazer tragédia de novo, só rindo.” E aí ele fez A Bilha Quebrada, e ele foi e se jogou no rio, morreu.  É trágico o percurso dele. Ele fez uma obra maravilhosa.

Eu, por exemplo, minha relação com o Kleist vem de uma foto que eu vi no Instituto Goethe, num livro chamado Theater Arbeit, que tinha as 5 melhores encenações do Brecht, e tinha essa foto, era o juiz Adão pulando. Era como um pássaro negro querendo sair do tribunal e as outras pessoas, personagens, figuras, fazendo a cerca para ele não sair. Mas a foto é tão brilhante que eu preciso ver o que que é o material que sustenta essa ação. Então foi assim, é assim. 

Eu tô agora com o Paulo Marcello, que é ator da companhia desde o princípio, ele, nós estamos estudando que caminho a tomar nesse momento, não tem uma coisa resolvida. Tem vontades, desejos, é, que impulsionam, que empurram e as pessoas estão sempre encantadas, porque, por exemplo, o Torquato Tasso é um texto extremamente complexo porque ele mostra como figuras, ele mostra uma sociedade inteira, e a maneira como elas se relacionam é completamente falsa, porque, porque, porque tem o princípio aristotélico do parecer, você pega… você pega… a Poética do Aristóteles, ele vai falar todo caminho que compreende, pra ele, a escrita do texto dramático. 

Contemporaneamente nós começamos pelas ações e elas vão dizer, se dizem aquilo que pensávamos ou não. É muito estimulante fazer esse trabalho de garimpagem da dramaturgia, eu fico muito feliz e muito honrado de participar do panorama teatral brasileiro com um repertório que eu estou propondo.

Mônica Sucupira: Ô, Marcio, deixa eu interferir na conversa antes que o João faça uma pergunta, são 30 anos da Razões Inversas. Agora em setembro a Razões Inversas completou 30 anos, eu tenho a maior alegria de fazer parte da primeira turma da Razões Inversas. E aí, eu quero falar uma coisa muito engraçada, um depoimento meu. É… No dia da nossa formatura, que a gente tava recebendo o canudo lá na Unicamp, você fez uma reunião com a gente logo após, na casa da Verônica, falando que nós tínhamos o Teatro Cultura Artística pra mon…, pra levar a peça pra lá. Eu costumo dizer que nós fomos de mochila pra São Paulo, porque foi da noite pro dia, a gente saiu da Unicamp, você pegou a gente e levou pra São Paulo. 

O que que passou na sua cabeça pra montar uma companhia com seus ex-alunos? É, o que que rolou pra você ter esse impulso, de ter essa vontade de ter essa companhia e de criar esse trabalho, que é um trabalho de pesquisa de linguagem, né?

Marcio Aurelio: É, ter uma companhia implica em compromissos de ordem jurídica, por exemplo, quando nós definimos que íamos formar uma companhia, eu falei, eu acho que Ana Souto disse: “formar uma companhia… como é que vai chamar? Grupo…” Eu não tenho grupo. Grupo é um poema concretista que se se dizia assim “grupo é grupo, grupo é grupo, grupo é grupo” (faz gestos com as mãos). Enfim, a possibilidade de você montar infinitamente a mesma coisa…

Eu fui para a Unicamp e conheci o movimento interno da Unicamp, fui professor da USP também e pude experimentar coisas importantíssimas. Eu trouxe, pro Razões Inversas, o Leonardo Medeiros que é um ator sensacional e que deu um gás. Ele estudou coisas semelhantes no curso   da USP, trabalhando comigo, e trabalhando comigo, ele já tinha feito o Hamlet. Em 84. Então eu falei, vou continuar, vou continuar, e propus, na sala, você tava junto, é “o que vocês acham da gente fundar uma companhia?” Aí “vai se chamar companhia o que?”… Não, “vai chamar grupo o que?” Eu falei, “não tem grupo, porque grupo é grupo, nós vamos fazer uma companhia, não tem modus operandi disso, vamos, vamos fazer juntos”, então “que nome poderia ter, esse conjunto…(inaudível).Ah não tem!“

Eu disse “tem sim: companhia. É uma companhia de teatro feita por jovens belos, formosos, inteligentes, sensíveis, e eles se chamarão como?” Aí vira a Ana Souto e fala assim “Razões Inversas”. Isso porque tinha na lousa da sala que a gente tava trabalhando escrito Razões Inversas. Mas que loucura, que que é Razões Inversas? É uma forma lógica de matemática de pensar o processamento. Ficou esse nome. E ficou esses anos todos, aqui ou fora do Brasil, né Carla, aqui ou fora do Brasil, a gente sempre procurou dar exemplo de que o teatro pode ser uma renovação da alma (inaudível). É isso. 

Carla  Hossri: João, você queria fazer uma pergunta para o Marcio?

João André Garboggini: Ah eu quero, é lógico! (riso) 

Carla  Hossri: Faça.

João André Garboggini: Marcio, olha, é, antes da pergunta, é, é essas suas colocações sempre foram maravilhosas. Eu acho que sua, ah, eu sou muito grato, assim, por você, por mostrar pra gente sempre, que ah, sim mostrar a prática teatral como a busca do, do, libertadora do infinito. Entendeu? Dessa questão do sonho. Eu, se for falar de experiência pessoal com você eu tenho experiência de sonho com você, porque eu sonhava ensaiar com você na, numa sala toda encerada com barra de balé e cortinas e portais, né? Isso já, isso já estudando na Unicamp, porque quando eu entrei na Unicamp eu já tinha a noção de que eu seria seu aluno e isso me impulsionava pra frente, né? Mas, assim, a minha pergunta é, isso é apenas um depoimento assim como a Dani fez, porque eu era um dos alunos quietinhos (riso) e eu assistia as apresentações, eu fazia os trabalhos, e eu via você falar e ficar maravilhado, né? 

É, você falou agora a pouco do Eugênio Kusnet, né?  E eu queria, gostaria muito de ouvir você falar sobre sua experiência com ele, sobre a sua trajetória de contato com esse Eugenio Kusnet que tanto, também, colaborou pra gente trabalhar como ator, né? Mas já, antes de mais nada é um prazer imenso ver você, viu? É isso. Falar sobre Eugênio Kusnet. 

Marcio Aurelio: Pra mim é um prazer João estar aqui com você. Eu me sinto em casa. Literalmente em casa. 

Eu quando vim pra São Paulo eu tinha no meu alforje a obra do Stanislavski, principalmente relida pelo Eugenio Kusnet, que era o método das ações físicas. E aí, eu não manjava nada, porque ainda não tinha encontrado, até então, ninguém que quisesse peitar comigo esse homem chamado Stanislavski. Foi, foram anos de leituras solitárias, porque lá em Piraju eram todos simples, todos que tinham interesse, mas que falavam “ah, nesse eu vou fazer a empregada”, “nesse eu vou fazer a madame”, “nesse eu vou…”, era assim que funcionava. Amigos, pessoas queridas, mas que tinham uma visão muito estreita, a meu ver. Só não posso dizer que é estreita porque era a que eles tinham. Bom, eu vim pra São Paulo, aí um dia volto pra Piraju, num fim de semana, e encontro com um senhor russo, Constantino Leman. 

Constantino Leman era diretor de rádio novela, e teatro novela, é, e eu participei de vários. Então eu fui pra Piraju e encontrei com esse senhor e ele disse, “você me faz um favor?”, e eu disse, “pois não, Leman”. Ele disse “eu ouvi você falar sobre agora sobre Stanislavski e Kusnet, eu gostaria que você, se você pudesse fazer um favor pra mim”, falei, “diga Constantino”. Ele disse, “você leva esse envelope, porque aí dentro tem uma fotografia, é a fotografia do Kusnet fazendo teatro na Alemanha, teatro amador”. Aí eu falei, “tá bom, vamos lá”. 

Cheguei em São Paulo fui no meu primeiro encontro depois, com o Kusnet: “você dá licença um minutinho, eu queria te pedir uma coisa”, “diga!” e eu disse “eu estive em Piraju e me encontrei com Constantino Leman”. Ele parou, falou “Leman?” “É. Olha Isso aqui é pra você, ele mandou”.  

Aí ele abriu, tirou bem escondidinho de todo mundo a fotografia, foi tirando, parou com a fotografia, parou o movimento, ficou só o olho parado, levantou os olhos, olhou pra uma das pessoas que estavam na sala e disse: “que bichona!” (Marcio ri, imitando o Eugênio Kusnet)

É, era uma foto dele fazendo um personagem do século XVIII, com aquelas perucas brancas, era uma foto que o amigo tinha conseguido do Kusnet e tava devolvendo pra ele.

Então eu tive o privilégio, tive o privilégio de contatar esses dois mundos, que são um mundo só, não importa que um esteja na Coréia do Norte e outro esteja no Sul da África. 

Agora o Kusnet, eu fiz aula com ele, da última turma, ele dava um curso num espaço, era um espaço de um ateliê que tinha em Pinheiros e ele propunha esse curso livre. Maria Ilma! Não sei se vocês conhecem uma atriz maravilhosa!  Maria Ilma era muito amiga do Eugênio, e aí ele falou “você vai trabalhar com Maria Ilma, porque eu quero que você (bate palmas) experimente (inaudível)” e aí eu fui fazer os primeiros exercícios. O primeiro, que me marcou demais, eu saia atrás do personagem (Marcio gesticula com as mãos mostrando a intensidade da cena) e o texto era falado aos berros, e, e terminava com nós dois estirados no chão, mortos, sem fôlego sem energia. 

Ele parou e falou assim: “nossa vocês representaram tanto que eu pensei que você fossem morrer!”

AÍ eu falei, “meu Deus, não fala essas coisas também!”  Ele disse, “falo, falo sim, porque cês tem que saber disso. Porque tem um jeito de fazer isso que é da representação. Você tem que apresentar ao seu público o que te levou a essa ação.” 

Foi muito bom, eu tive o privilégio de ter convivido com esse senhor que era muito, era muito crítico. E…

Carla  Hossri: Oh, Marcio, e nós tivemos o privilégio de ter você como mestre! 

Você não sabe como você é presente na nossa vida, assim com os alunos, com os nossos trabalhos, como professores. Você é muito presente!

E um dos momentos mais apaixonantes, delicados, tem até uma outra palavra que agora não tô lembrando, que eu tive no Teatro como espectadora, foi no Hamlet Machine também. Eu fui assistir e fiquei deslumbrada com a Marilena Ansaldi, deslumbrada, eu nunca tinha visto a Marilena em cena, deslumbrada com a sua direção, assim, já gostava de você, ali acho que apaixonei mesmo. E ainda assisti a peça atrás do Heiner Müller. Então, pra mim foi, eu estava no céu, Marcio, no céu mesmo, nunca vou esquecer isso.

Querido, é… foi um prazer, foi uma aula de teatro que você deu pra gente uma aula da história do teatro, eu quero te agradecer demais em nome de todos aqui, em nome da Universidade, eu tenho certeza que esse trabalho vai render, vai ser muito importante, daqui uns anos a gente vai… mas, esse trabalho, mas essa história bonita do começo vai ficar. 

Carla  Hossri: Que que é isso João? 

João André Garboggini: (que estava estalando os dedos) Aplauso!  

Todos riem

Carla  Hossri: Marcio, mas, antes da gente terminar nós temos um presente pra você, é… nós temos uma surpresa pra você, podemos mostrar agora Mônica? … Mônica? 

Mônica Sucupira: Eu tô ouvindo Carla… podemos. 

Antes de eu passar a surpresa pro Marcio, eu quero falar uma coisa pra você Marcio, eu sou muito agradecida por ter sido sua aluna, por ter convivido com você, eu aprendi muito de teatro com você. Eu tenho muito carinho e muito agradecimento e tenho muita alegria de ter o Paulo Marcello dando todo apoio, em todos os sentidos, e ver que alguém está aí da primeira turma, né? Vou colocar a surpresa pra você. São duas surpresas. 

Neyde Veneziano, em vídeo: 

Marcio, Marcio Orélio, Marcio Aurelio meu amigo, meu grande amigo. Você viu o que os nossos alunos estão fazendo agora? Que bonito! Que trabalho lindo pra guardar tudo isso pra posteridade, os depoimentos dos professores, o carinho que eles têm?! E não é à toa, né, Marcio? Eles têm um carinho grande por você, pelo professor que você é, pelo diretor fantástico que você é, e, da minha parte vou dizer, pelo amigo também, porque nós fomos companheiros anos e anos, e a gente fazia vestibular juntos, quer dizer, a gente examinava os vestibulandos juntos, a gente dava aulas juntos, a gente se via nas, naquelas reuniões de professores, você lembra daquelas reuniões de professores que a gente ficava tomando nota de quem errava no português? Porque nós éramos impossíveis! 

Você me chamava de rainha da meia ponta. Rainha da meia ponta, você fazia ponta e eu fazia meia ponta, quer dizer eu era do teatro popular. Mas a gente se dava hiper, super bem. E eu amava você, eu ficava assim enlouquecida quando ouvia você contar que tinha ido pra Alemanha, você tinha dirigido lá, em Berlim, e eu falava, “nossa, como o Marcio é fantástico!”

Independente disso, a gente assistia a todas as suas direções e o trabalho incrível que você tinha com os alunos. Eu tenho certeza absoluta que o trabalho que você fez com eles foi um trabalho pra toda vida. 

Ninguém te esquece, Marcio, ninguém te esquece. Você coloca seu carimbo ali, no ator que você vai formar e isso te multiplica, isso traduz o artista que você é, e esse artista que você é busca o artista que eles são também e, enfim, é uma troca muito linda entre você e seus atores, entre o professor e o aluno também, e entre diretor e o grupo. 

Marcio valeu todo tempo que nós tivemos juntos e todo tempo que ainda vamos ter juntos, porque nós vamos acabar velhinhos lá em Santos. Espero que a gente possa, depois dessa pandemia, fazer muita farra juntos. Márcio, milhões de beijos, milhões de beijos, te amo!

Parabéns aos alunos, tá? Pessoal do AlmanAC viva! (fim do vídeo)

Carla  Hossri: A Rainha da meia ponta, Marcio! Cê que deu esse nome né?

Paulo Marcello: Marcio?

Marcio Aurelio: É.

Mônica Sucupira: Gostou da surpresa, Marcio?

Marcio Aurelio: Eu gostei muito, gostei muito.

Carla  Hossri: Então tem outra!

Mônica Sucupira: Então agora vou colocar a outra, tá? Aguarde aí. Segura o seu coração, ou deixa rolar como você diz. Solta Solange!

Celso Nunes, em vídeo:

Suavidade, constância, amizade, carinho, doçura, talento, sensibilidade, criatividade, tudo isso, Marcio, você sempre teve em você seeemmm nenhum esforço. E é com muito prazer que eu compareço aqui, pra essa homenagem a tua pessoa, tão merecida, e tô fazendo isso tendo atrás o oceano atlântico que já foi um dado comum entre nós, por conta das encenações dos Lusíadas, por conta de todas as travessias que os oceanos significam e por conta desse grande oceano que é o teatro, pra você e pra mim, viu? Muito obrigado, tô adorando poder te mandar essa mensagem, né? A gente vive tão longe um do outro, mas, em compensação tão perto no coração, na bem querência, no amor, na amizade. 

Um beijo, Marcio! (fim do vídeo)

Carla  Hossri: Pra você querido mestre!

Marcio Aurelio: Eu tô muito sensibilizado, muito tocado com tudo isso. Acho que vocês estarem coordenando esse trabalho, é, eu acho que isso tem tudo a ver com o que a gente fez juntos. Eu fico muito, sempre me perguntando se tá certo, se não tá errado. 

Mas eu me lembro de ter visto um trabalho de conclusão do curso da Débora Duboc, trabalho dela do Brecht, aí se passaram oito, nove anos, eu trouxe pra ela um livro, uma edição dos poemas do Wedekind, aí fizemos um espetáculo lindo. 

É, nove anos, é o tempo que precisou pra amalgamar e ganhar autonomia de voo. Então, quando hoje, me sento em frente de vocês, eu sinto que… tudo de bom. É só continuar. Eu tô muito feliz!

Muito obrigado. Obrigado à Unicamp, muito obrigado a vocês, me colocando sempre a disposição, porque você tem que semear, tem que arar a terra, tem que umedecer a terra, são diferentes abordagens pra esse revelador da… da emoção humana. Muito obrigado!

Carla  Hossri: Obrigada a você.  Paulo Marcello muito obrigado por você dar esse apoio aí também.

João André Garboggini:  Bom encontrar o Paulo Marcello também.

Carla  Hossri: A gente está muito feliz, estamos também muito comovidos, mas de felicidade, de alegria de ouvir as suas histórias tão importantes do teatro brasileiro. Muito obrigada de coração! 

E eu tenho certeza que, ainda, a gente vai, vai rolar uma balaco aí entre a gente, hein, Marcio! (risos) 

Marcio Aurelio: É só marcar (risos)

Carla  Hossri: Então ó, um beijo grande. Palmas!!! (aplausos)

(Muitas pessoas falam juntas, interferências) 

Mônica Sucupira: Paulinho você quer falar alguma coisa, Paulinho?

Paulo Marcello: Quero. Eu vou falar aqui perto do microfone do Marcio pra não dar eco.

Não… Eu tô muito feliz, é um prazer tá aqui ajudando assim, não vou falar muito porque é uma parceria de 30 anos. E tudo que ele fez na Unicamp, na vida, essas histórias que eu adoro ouvir e sempre vou relembrando. Então é um prazer. Esse trabalho que vocês estão fazendo, esse trabalho de registro da história da Unicamp, tudo isso é sensacional, parabéns pra todos, é um prazer estar junto acompanhando o que vocês estão fazendo, é incrível! Obrigado, um beijo pra vocês.

Ana Célia Padovan: Marcio obrigada. Paulinho obrigada pelo acompanhamento também. E foi um prazer tá aqui junto com você ouvindo tudo isso que você tem pra, pra trazer, é… “os olhos do sentir”. Né? 

João André Garboggini: Maravilha!

Ana Célia Padovan:  Então, muito obrigada Marcio. Valeu!

João André Garboggini: Adorei também participar, só tenho a agradecer também poder rever você, reencontrar o Paulo, também, que a gente já se encontrou bastante, mas não tanto quanto poderíamos e gostaria de encontrar também, né, quando for possível, presencialmente porque é demais isso que a gente tá fazendo, mesmo sem se encontrar. Um grande beijo pra vocês. 

Carla  Hossri: Aplausos, de pé! 

Todos falam beijo, beijo, beijo. 

Todos enviam beijos e a imagem fixa em sorrisos 

Carla Hossri: Pronto?

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