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Marcio Tadeu

Carla Hossri: Olá, hoje é 16 de maio de 2021. A gente ainda está na pandemia, todo mundo recolhido, mas a gente tem o prazer de receber, a alegria de poder conversar com o Marcio Tadeu. O Marcio Tadeu é arquiteto, cenógrafo, figurinista, aderecista, artista plástico dos melhores, é professor e pesquisador. Márcio, bem-vindo, que bom que você tá aqui pra conversar com a gente.

Marcio Tadeu: Oh, obrigado, muito obrigado! É um prazer estar aqui com vocês e, de cara, já quero parabenizar por esse empreendimento, por essa ideia feliz, que é da maior relevância. E só desejo boa sorte, coisas boas pra esse projeto.

Carla Hossri: Obrigada, Márcio. E eu preciso dizer antes de tudo que você, além de ser muito querido aqui no nosso grupo, quando a gente conseguiu marcar com você esse papo, e a gente conversou com outras pessoas também sobre esse papo, a gente percebeu o quanto que você é querido, respeitado e admirado.

Mônica Sucupira: E por todos nós aqui.

Marcio Tadeu: Ah, Muito obrigado!

Carla Hossri: E sabemos da importância que você teve no início do Departamento de Artes Cênicas. Mas a gente vai falar disso daqui a pouco. Agora a Mônica vai começar com as perguntas.

Mônica Sucupira: Oh, Márcio, antes da gente começar aqui, seguir o meu roteiro, eu queria dar um depoimento pessoal a você que, quando eu fiz a Unicamp, 1º ano, eu sou da 1ª turma, eu fiquei encantada com uma aula que você deu, que não era de cenografia, que não era de figurino, mas você falou sobre o aspecto físico, mental, emocional do ser humano. E foi uma das coisas mais bonitas que eu já vi e não era (fala) de um psicólogo, não era de um cara que sabe sobre isso, mas de um cara de teatro. Pra mim foi muito agradável saber por você, através de você. A minha pergunta pra começar: você é formado em arquitetura pela FAU, você fez EAD, o que veio antes?  Qual foi esse trajeto entre uma e a outra, você começou a ser ator e depois arquiteto? Como foi?

Marcio Tadeu: É, aqueles mitos também, né? Eu comecei querendo ser ator, lá em Taubaté, no interior, isolamento cultural total. Lá não chegava nada, né? E o que eu tinha era a TV. Então eu comecei a me apaixonar por teatro, porque lá também não tinha, ou tinha às vezes uma peça amadora… mas começou tipo sábado à noite – porque tinha a TV de vanguarda e a TV de comédia na TV Tupi, na geleira, lá atrás, na época glacial -, e aquilo me mordeu, eu não perdia a TV. Teve um dia que apareceu A Visita da Velha Senhora, uma encenação, e quem fazia a Clara Zahanasian era a Laura Cardoso, e isso, em mim, a peça e a interpretação dela e dos atores, foi tão forte que eu… Depois disso eu não consegui dormir, eu passei a noite inteira meio me revirando e amanheci com uma certa certeza de que eu queria fazer isso, alguma coisa por aí, né? Aí fiz um pouco de teatro amador em Taubaté, coisas muito rudimentares, mas mesmo em Taubaté ganhei um trofeuzinho de melhor ator de um festival, aquelas bobagens, mas que… Aí, meu pai, meu pai falou assim… era época de eu vir pra fazer vestibular e meu pai falou assim: “Olha, você tem essa coisa do desenho, de fazer coisa, de criar, eu acho, assim, é linda a profissão mas acho que você não vai ter dinheiro com o teatro pra se manter…” então ele falou assim: “faz o seguinte: presta pra arquitetura”, que era também uma das possibilidades, que eu achava fantástico… “e depois, com a arquitetura você vai fazer o seu teatro”. Aquelas coisas de pai. E eu vim pra SP, prestei o vestibular e passei na FAU, num momento que eram 40 alunos por turma, e era uma concorrência muito grande… Então eu fiquei até assustado, porque eu tinha feito antes um vestibular do Mackenzie, que é uma escola paga e tudo e, no Mackenzie, eu fui bombado. Então, eu falei assim “Ih, então na FAU…!” Mas saiu na FAU, e aí eu tive uma sorte muito grande de pegar a FAU num momento dourado. Olha só quem dava aula na FAU: Flavio Império, nosso graaaannnde cenógrafo; Sergio Ferro, nosso pintoooor, que foi exilado e tal; Renina Katz, a gravurista maravilhosa. E a Renina tinha um assistente que era nada mais nada menos que o Claudio Tozzi, que também era arquiteto e tava de assistente da Renina. E ainda tinha o Flavio Motta, Paulo Mendes da Rocha, ou seja, só de você estar ali já era um santuário, né? E, além disso a FAU tinha uma coisa muito maravilhosa, que era a melhor biblioteca da USP. Até hoje, as pessoas quando querem achar coisas vão pra FAU, né, coisas sobre arte e tal. Então a gente era formado por esses mestres e por uma biblioteca primorosa que tava à nossa disposição, né? E, é claro, com a questão do teatro, os alunos que eram mais a fim foram grudando no Flávio Império. E as aulas do Flávio eram absolutamente maravilhosas, né, por exemplo, alunos como a “Loira” (Maria Cecília Cerroti) que vai ser uma cenógrafa, a Márcia Benevento, outra arquiteta que também vai ser cenógrafa, o próprio (J. C.) Serroni foi aluno da FAU. E o Flávio, ele tinha uma ironia maravilhosa, né, que puxava o tapete de algumas certezas ou de umas coisas pra gente, fazia você… “oi!?!” cair no vazio e fazer opa, opa, opa, né? Por exemplo, uma das aulas ficou a discussão de que o que era melhor? O teatro, o teatrão ou o teatro de grupo? E, claro que o teatro de grupo, o teatro de grupo… o próprio Flávio fazia parte dos dois grandes grupos que são da história do teatro brasileiro: o Oficina e o Arena. Ele fazia cenário para os dois. E aquela discussão, e daí a gente falava “Flávio, o que que você acha, o que que é melhor? O teatrão ou o teatro de grupo?” Daí ele falou assim “Não tem diferença” daí a gente ficou assim: “Não tem diferença?” ele “Não! No teatro empresarial, o teatrão, o cenógrafo fala assim: “Preciso de uma cadeira do Século 18”, daí o produtor, o produtor… “Cadeira do Século 18? Quanto custa isso? Aonde tem isso? Dá pra parcelar? Dá pra fazer troca, permuta?” E no teatro de grupo é a mesma coisa, só que o cenógrafo fala assim: “Quero uma cadeira do século 18”, e o grupo inteiro faz assim “Cadeira do Século 18? Cadeira do Século 18!” (se movimenta pra lá e pra cá mostrando as pessoas procurando) Vai pegar no quintal e isso também é maravilhoso. Então ele puxava sempre esses tapetes que você ia, ia aumentando, ia até tendo certezas. Então tinha sempre essas colocações… são aulas inesquecíveis, né, e eu, o próprio Flávio foi meu orientador do TGI , né, e era um trabalho de fim de curso que era sobre urbanismo, mas o que eu fiz foi quase uma história em quadrinhos sobre o espaço do ônibus da CMTC, que ia superlotado e  os estudantes todos iam de manhã, superlotado, e se esfregando, e as relações que tinha sobre isso. E a banca ficou indignada e aí me deu 4, ou seja, bombado! E ele pediu uma revisão com ele presente. E aí, essa revisão foi assim: eu fui como um condenado lá, né, sentei na portinha e ele lá dentro fazendo a defesa desse trabalho. Ele falava assim “esse aluno, esse arquiteto, ele desenha! Qual de vocês que desenha?” Mostrava meu trabalho, aquelas coisas. E daí… e tinha coisas que eu não ouvia, mas quando ouvia, que a coisa fervia, ele fazia uma defesa muito grande do meu trabalho. E daí, depois de um tempo ele abriu a porta e falou Márcio, ó, 7 tá? Passou! Tá aprovado. Então são coisas assim inesquecíveis, que você fala “Como?” 

Mônica Sucupira: E aí ele te levou pro teatro? Foi aí que você foi pra EAD?

Marcio Tadeu: Nãaaao! Eu já tinha essa coisa de teatro. Porque, assim, é, é, nessa época de FAU eu comecei a fazer (teatro). Eu fiz Emilio Fontana etc. Tudo o que era curso de ator eu ia e tinha um… Seeeempre o Sesc. O Sesc tinha, nessa época, um festival de teatro amador que era uma coisa impressionante! Nesse festival de teatro amador tinha, por exemplo, um grupo do Soffredini, que era de Santos, e o Soffredini vinha com os atores que se apresentavam…nesse ano que eu também me apresentei o Soffredini trouxe um Prometeu, o espetáculo dele. Eu tava num espetáculo que era A Ralé, do (M.) Gorki. O Paulo Betti e a Eliane estavam num Pagador de Promessas. Olha, tudo junto num festival! E a Marcília e o Reinaldo num Woyzek, que era uma outra montagem. E, assim, esse festival era uma maravilha, pena que não tenha mais, porque tinha os críticos famosos da época, Sábato Magaldi etc., que assistiam às peças do festival e de um dia pro outro faziam uma crítica maravilhosa, uma crítica vertical do que eles viam. Então, você se apresentava num dia e, no outro, você lia as críticas. 

Carla Hossri: O que eu queria perguntar, na verdade, entra um pouquinho na pergunta do João… Quer dizer que nesses festivais você já tinha se formado na FAU e tava na EAD?

Marcio Tadeu: Não. Esses festivais já eram quase no fim da FAU. Eu me formei na FAU e na EAD no mesmo ano. E essa formatura, já saiu dali o Pessoal do Victor.

Carla Hossri: Exatamente o que o João ia perguntar.

Marcio Tadeu: Então era uma época trepidante de coisas né? Ensaiava aqui, apresentava, e ao mesmo tempo tinha a FAU, que era o último ano, que era esse trabalho de TGI. A EAD era todo dia, a EAD tinha essa coisa de ser noturna, que era pra você se acostumar que as suas noites, dali em diante, eram para o teatro. Então assim, esqueça a noite… aquele discurso. 

Mônica Sucupira: João, antes de você entrar, deixa eu só fuçar um pouco nessa história… Márcio, então você nunca foi arquiteto? Você nunca exerceu a arquitetura? Você já foi direto para o teatro?

Marcio Tadeu: Nãaaao, porque foi assim, na EAD eu já fazia os cenários das nossas montagens, e, mesmo na EAD, tinha o povo de Direção da ECA que estava se formando, por exemplo, Chiquinho Medeiros. Ele estava se formando e falou assim, “Márcio, faz o cenário da minha peça” que era um (Fernando) Arrabal, o “Fando e Lis”, e foi uma delícia esse trabalho. Então, a EAD, ela também teve um diferencial nessa turma que entrou, porque o Celso Nunes, ele tinha feito EAD, se formado na EAD, e depois conseguiu uma bolsa pra França, pra Sorbonne (Universidade) e tal. Então ficou lá na França e fez as coisas da época, fez workshop com Grotowski… não sei mais o quê… e ele voltou da Europa com essa carga e esse gás, de dirigir coisas, e aí fez uma montagem na EAD d’As Bacantes, que foi muito comentada e tal… e convidaram ele pra ser o professor de interpretação nossa, no primeiro ano. Ele falou assim “Olha, com um ano de interpretação eu não faço nada, eu não consigo fazer nada com esses alunos. Então eu só aceito ser o professor de interpretação se vocês me derem eles por três anos, por três anos eu vou dar instrumentos para esses atores” e, sem dúvida, ele criou um grupo nesses 3 anos, e eram aulas também. Por exemplo, uma série de aulas que ele deu sobre a “memória emotiva” do Stanislavski, que nos deram ferramentas pra milhares de coisas. E a última montagem, ele que dirigiu, que era o “Victor ou as Crianças no Poder”, a peça surrealista do Roger Vitrac. E era um espetáculo muito contundente, porque ele era desbocado, tinha um general em cena e eu fazia um menino de nove anos que cuspia no general, que montava nas costas do General… 

João André Garboggini: (faz sinal pra perguntar)

Marcio Tadeu: Diga, diga…

João André Garboggini: Marcio, não dá nem vontade de perguntar, porque você vai falando e vai respondendo às perguntas antes da gente fazer, tá maravilhoso! Mas eu queria perguntar quem é o elenco do pessoal do Victor, assim, quem eram os atores, atrizes, o pessoal que circulava ali. Você fez o cenário e trabalhou como ator?

Marcio Tadeu: Pra essa montagem, era a classe.  Na montagem “Victor ou as Crianças no Poder” entrava toda a classe, inclusive… quem era da classe? O (João) Albano, era nosso colega de classe, tinha pessoas que vão fazer dramaturgia, como Zeno Wilde, que vai virar dramaturgo. Então era o todo, era a classe, e aí todos participaram dessa montagem final e a montagem foi tão bem, era um impacto tão grande, que a gente falou assim “E agora? Estamos saindo com um espetáculo e como continuar com isso?” E a diretora da EAD nesse momento era a Renata Pallottini.  Daí chegou uma cartinha pra Renata, pra direção da escola falando assim “Olha, eu tenho um festival de teatro estudantil em Palermo, agora em 75, e estamos convidando vocês, se tiverem interesse…” e daí ela levou isso pra gente e a gente já endoideceu! E daí, em muito pouco tempo, claro, o Celso era o mestre, ele que orientava e tal… Ele formou uma estrutura de grupo para que a gente saísse da EAD e fosse pra um teatro captar verba pra essa viagem. Tinha que ter 13 passagens aéreas pra Palermo. Então, pra essa viagem, a maioria da classe foi, porque quando a gente falou assim “vamos colocar num teatro” conseguimos o Ruth Escobar… também tem umas coisas assim, tem os deuses do teatro que vão abrindo coisas e, aí, fomos pro Ruth Escobar e fizemos uma temporada muito legal, mas não dava pra cobrir todas as passagens. E aí um amigo nosso teve a ideia, falou assim: “Por que vocês não fazem um leilão de arte?” E daí foi um susto “Um leilão de arte?” Daí a gente falou assim “Pode ser então”, aí saímos e todo mundo ia em atelier de artistas. E falamos assim “bom, vamos no fundador da EAD”, que tava meio de mal com a EAD. Batemos lá no casarão, na mansão do Alfredo Mesquita e aí falamos assim: “Olha, é um grupo de alunos da EAD, que tá querendo falar…” Tempo… esperamos ali na sala e tudo. Daqui a pouco chega… ele desce as escadas com aqueles olhos azuuuuuis e tudo, e daí conversamos, explicamos o que era e tal “Nós estamos nessa escola que o senhor fundou…” Daí ele falou assim “Tá bom, vocês … não sei o que… espera um pouquinho”, subiu, demora, demora, demora, e a gente lá, assim… “Ai, meu Deus!” Deeeesce, outra descida pelas escadarias, e aí ele falou assim: “Olha! Pra vocês!” um monte de gravuras, coisa de ‘Clovis Graciano’, não sei quem… toda essa gente… E aí, um outro rapaz que tava também ajudando, foi no Volpi! E o Volpi falou assim: “Escola de Arte Dramática?!”, e deu um Volpinho, desse tamanhinho (gesto com a mão) de bandeirinhas, lindo! Aaaah! E aí, no leilão, só esse Volpinho já deu as 13 passagens e, ainda, o resto das coisas que a gente vendeu, ainda deu uma grana pra gente partilhar pra gente viajar. Então, foi uma coisa assim: outra porta dionisíaca que foi aberta. (Carla faz sinal) Diga, Carla! Eu não tô ouvindo, Carla… 

João André Garboggini: Então, mas aí, assim, então você tá falando de…

Mônica Sucupira: Carla! Abre o seu microfone.

Marcio Tadeu: Alô! Vocês estão me ouvindo?

Mônica Sucupira: Você, sim! Carla, abre o seu microfone…

Carla Hossri: Marcio, eu queria perguntar pra você quais foram os seus mestres, em quem você se espelhou, quem te apoiou e tal. Mas, parece que o Flávio Império tá em primeiro lugar. Eu quero aproveitar, quero saber o seguinte… se ele te acompanhou, se você grudou um pouco nele, pra continuar…

Marcio Tadeu: Acompanhei um pouco, mas, assim… quando eu tava no último ano da EAD, ainda teve outra coisa que era o seguinte… tinha um professor da ECA, um cenógrafo mais convencional, Campelo Neto, brilhante, né? E o Campelo Neto falou assim: “você, eu vou levar pra TV Cultura”, porque ele trabalhava na TV Cultura. Então eu fui trabalhar na TV Cultura, fazendo cenário. Era uma época da TV Cultura que era maravilhosa, porque eles resolveram fazer teleteatros. E esses teleteatros, era uma coisa que você tinha uma reunião com o diretor, com todo o elenco pra decidir o que era a cenografia, pra conversar… e depois aquela cenografia era montada ou em locação ou em estúdio. Então, foi uma época muito forte, porque essa coisa da TV me deu um speed de resolver rapidamente cenografias. Porque, assim… era que nem um emprego, era a TV Cultura! Então seis e meia da tarde você pegava a tua mochilinha pra ir pra casa. Na hora que você ia levantar, caia na tua mesa um pedido de um especial que ia ser gravado no outro dia às 6 da manhã. Então, era assim… alguém que tava de passagem em SP e vai ser entrevistado… e tem que ter… daí você põe a tua mochilinha na mesa e vai pra cenotécnica e não sei o quê, e já esboça rapidamente e dá todas as instruções, e daí você volta no outro dia de madrugada, pra ver se tá tudo bem, se estão montando e, pra abrir, pra gravar, né? Então essas coisas te dão uma agilidade. 

Carla Hossri:  Ô, João você quer complementar?

João André Garboggini: Ouvindo você falar… no começo da entrevista, você disse que assistia TV em Taubaté e agora você tá trabalhando na TV, com cenografia, e entendendo muito de atuação. Então isso pra mim fala da questão da transdisciplinaridade que é o trabalho do teatro, que também tem a ver com a arquitetura. Então, eu acho que a ideia da arquitetura é fundamental pro teatro, porque ela vê as artes como uma coisa integrada e, no cenário, você tem uma arquitetura maravilhosa, uma arquitetura de interiores, que seja… Então minha pergunta é essa: tem que saber desenhar, tem que saber cantar, tem que saber atuar? Como são esses processos de produção… e depois acaba formando grupo, participando de um grupo aqui, dois ali… Todos os processos de teatro enquanto esses conceitos aí, que você trabalha muito bem.

Marcio Tadeu: A mistura desses conceitos depois eu posso falar de… todo mundo fala assim “Ah, você que criou cenografia e o figurino pra um curso de ator?” Vem daí, né, porque vem da minha experiência como ator e, ao mesmo tempo, fazendo cenografia e percebendo como é importante para o ator ter uma noção muito clara, e até rigorosa, sobre o espaço cênico, né? 

João André Garboggini: E, diga-se de passagem, tudo muito bem-feito. Porque, além de tudo, tínhamos umas aulas maravilhosas, Marcio Tadeu. Eu tive que te interromper para falar isso.

Marcio Tadeu: Ah, obrigado!

Carla Hossri: Mônica, diga lá.

Mônica Sucupira: Acho, assim, que eu gostaria de começar com a Unicamp. Eu não sei se essa pergunta é minha ou é da Ana. É da Ana (Célia), né?

Carla Hossri: Vai, Aninha, então. Como foi chegar na Unicamp?

Ana Célia Padovan: Vou fazer uma pergunta incluindo também a sua permanência e a longevidade da sua permanência na Unicamp. Mas, vamos lá, do começo: como foi ir pra lá? E do ponto de vista de vocês serem um grupo de artistas ansiosos pela criação (que foi o Pessoal do Victor)? Conta um pouco pra gente como foi isso na história e também a tua percepção dessa passagem? Tanto desse grupo que chega ansiosamente para a criação artística, e que acaba ampliando pra comunidade também. Eu soube que vocês deram oficinas, também, não só para alunos, mas para a comunidade também…

Marcio Tadeu: Pra comunidade.

Ana Célia Padovan:  …até a formalização de um curso de artes cênicas. Essa passagem toda. E depois, se você puder comentar um pouco da tua permanência lá. Como é que foi isso com a comunidade? Você já chegou dando aula nessa época? Oficina? Já mexeu com a cenografia ou era mais na parte de atuação… Conta um pouco pra gente da sua chegada na Unicamp.

Marcio Tadeu: É, o Pessoal do Victor é um grupo que vai trabalhar sequencialmente, fazer uma peça e já pensando nos próximos projetos e tal. E nós tínhamos feito uma peça do (Fernando) Arrabal com a direção do Paulo (Betti). Teve uma época em que o Celso falou assim “ah, não tô bem…”, e o Paulo assumiu a direção. E essa peça era “Cerimônia para um Negro Assassinado”. E uma coisa importante no grupo é que ninguém…  Por que esse grupo andava? Porque ninguém tinha o direito de ser só ator ali, então, assim, todo mundo era ator e tinha uma outra coisa que todo mundo tinha que fazer.  Eu, por exemplo, era cenografia e figurino; então tinha gente que era da divulgação; administração e tesouraria, e captação de… não tinha um que só chegava pra entrar no palco, então isso já era um diferencial. E chegou esse momento, e depois, esse espetáculo do (Fernando) Arrabal ele também nos deu muita felicidade porque era um ambiente… aí você vê a disciplina do grupo… Tinham 3 elementos do grupo em cena e o resto estava fora, fazendo coisas com a maior alegria. Então, não tinha assim: “Ai, eu não vou entrar em cena?” Não tem isso! Então tinha eu, o Adilson Barros e a Eliane (Giardini), e o quarto elemento era o Ismael Ivo, esse bailarino que morreu há um tempo atrás, estreando, chegando, um dos primeiros trabalhos dele, maravilhoso, já com um gás também. E as outras pessoas? O Paulo dirigiu, a Marcília fazia uma administração maravilhosa de tudo, que é uma coisa complicadíssima, tinha a divulgação. Então, todos tinham alguma função. Então, veio o convite pro Celso de fundar alguma coisa de teatro na Unicamp. E ele fez essa proposta pra gente, falou assim “olha, vou levar vocês e o pró-reitor vai ver, então vai decidir se é legal ou não” e daí, foi legal. Então teve uma coletiva onde os repórteres dos jornais de Campinas perguntaram “Qual é a pesquisa que você vai fazer?” e as pessoas foram colocando as suas coisas e, a partir daí… Olha, o teatro é uma Sereia que tem uma voz poderosíssima. Quando a gente abriu inscrição teve logo muita gente da comunidade e da escola. Tinha funcionários do bandejão fazendo as aulas. E a tônica dessas aulas era uma preparação para uma montagem. Então a gente falou assim “Pra ter uma visibilidade, não adianta ficar numa oficina. Então, assim: tem oficinas para montagem, e a montagem é pública, já marca”. E aí teve coisas assim, por exemplo, o Paulo fez uma montagem do Ubu Rei que era muito engraçada. O Reinaldo pegou uma peça que tava proibida pela censura. Proibida com risco vermelho, assim, e encenou “A Patética”. Isso, tempos depois, o Celso Nunes encenou profissionalmente, com cenário de Flávio Império… aquela montagem ofi(cial)… mas, antes de tudo, os alunos fizeram na Unicamp e assistiram essa peça proibida. Primeiro que era assim, era coisa minha fazer e orientar a cenografia de todas as montagens que fossem inventadas. Então, eu trabalhava com os alunos e, ao mesmo tempo, eu tinha um grupo de trabalho em que eu dava oficina. Só que eu encaminhei a minha oficina pra manifestos e happenings, principalmente de identidade sexual, então nós mesmos fazíamos bonecos grandes de papelão, coisas muito rústicas, só pra comunicar, era uma estética de Arte Povera, de manifestação, cartazinhos e coisa… por exemplo, só pra dar o exemplo de um desses happenings, era um happening que se chamava “Eu não sou eu” que era um happening sobre identidade sexual, que as pessoas iam com uma série de roupas e o palco desses happenings era o  bandejão grande, na hora do almoço. Então, assim, iam lá e estava todo mundo comendo, então entravam aqueles malucos e tal, e os próprios funcionários falavam “O que será que vai acontecer?” E de repente, por exemplo, esse happening era uma coisa de homens vestidos de mulher e mulheres vestidas de homem e aí, num momento, as pessoas comendo, subiam nas mesas e faziam seu strip-tease de crossdressing, um jogava roupa pra mesa do outro e o outro… então era esse tipo de provocação que eu fazia, no que resulta, não sei… 

Mônica Sucupira: Vocês eram muito modernos, muito à frente do tempo.

Marcio Tadeu: Não sei, eu não sei. Era incentivo, era provocar um pouco, né? Provocar e, também tinha essa coisa de “se a gente quer continuar fazendo, temos que ter uma visibilidade” e, por exemplo, esses happenings… no outro dia, saia em jornal “tiraram a roupa…” e esse tipo de bobagem.

Carla Hossri: Ô, Marcio, olha, tô adorando as suas histórias. Bom, você fazia um pouco de tudo, era cenógrafo, figurinista, ator… olha todo mundo fala que você era um excelente ator. 

Marcio Tadeu: Óoooooo (risos)

Carla Hossri: É verdade!

João André Garboggini: Eu sei de vários prêmios.

Carla Hossri: Nas pesquisas que eu fiz, falaram que você é um ator, assim, de primeiríssima! Mas, vamos encaminhar agora pro Departamento. Quando vocês chegaram na Unicamp, ainda não tinha Departamento?

Marcio Tadeu: Não!

Carla Hossri: Vocês tinham que fazer e acontecer. Quando chegou o momento da montagem do Departamento, como é que você pensou esse ensino da cenografia? O que você queria com isso? Me parece, pelo que eu andei pesquisando, mas eu posso estar errada, não sei, me parece que foi a primeira escola de teatro pra atores que teve cenografia, não foi isso? E como é que você pensou isso? Como você pensou a didática? 

Marcio Tadeu: Isso eu não sei. Não tenho essa informação, se nenhuma escola de atores tinha cenografia ou não. Pelo menos aqui, pelo entorno, as que a gente conhece, não. Porque assim, os cursos de atuação eles querem uma carga maior de training, desse tipo de questão para o ator. E primeiro que nós estávamos com esses grupos fazendo esse trabalho meio livre e, na gestão do Pinotti, o Pinotti falou “Tem que virar tudo curso universitário… tem que virar curso ou então não tem futuro aqui, a gente não tem como manter isso!” A gente falou “Aaaaiii!”. E todo o IA, menos a música, todo o IA funcionava naquele galpão, tudo junto ali, e o Pinotti arranjou os pré-fabricados, os tais dos pinottinhos, que tem milhares na Unicamp, e o Pinotti falou assim “Olha, aquele pinottinho é do IA. Então vocês vão lá pra ver, já fazer o retalhamento do pinottinho (prédio). Aqui é das artes plásticas, ali é…” E o Celso foi e voltou e falou assim! “Gente! Não dá pra fazer teatro ali porque, assim, não tem… todo mundo ouve tudo…” e daí ficou essa discussão! E daí veio uma ideia do próprio Celso: “E se a gente desse um golpe, um golpe muito legal, que é assim: como tá todo mundo brigando lá pelo pinottinho (prédio), e se a gente entrasse com um pedido pra ficar aqui? Só pra nós?” E daí isso era maravilhoso! E nós fizemos o pedido. A dança já tinha uma sala debaixo do palco (do prédio novo), já tinha um monte de coisa… mas quando a dança soube, a dança também entrou correndo e disse: “Não! nós queremos metade (do barracão)”. E aí ficou essa divisão, tivemos que dividir, ninguém é dono de nada. E daí eu e o Celso, a gente falou assim “Bom, o que se faz?” Aí é que foi inventada essa coisa das passarelas…pra você ter de cima a iluminação, toda essa estrutura. 

Carla Hossri: Você que pensou essa estrutura? 

Marcio Tadeu: Essa estrutura, quem fez mesmo foi o ESTEC (Escritório Técnico de Construção da Unicamp). Mas assim, com a orientação nossa… “queremos isso”. Daí o ESTEC falava assim: “Mas isso pode ser de ferro?” e a gente “Pode, pode, legal!”. E ainda pedimos um mezanino, aquela parte de cima que… Você chega na dança e vai até lá só.

João André Garboggini: E a chuva? Aquela chuva artificial?

Marcio Tadeu: Ah! Aquela chuva era o seguinte… depois que a gente fez, a gente viu que era muito quente, principalmente no mezanino. E daí pedimos pra reitoria se teria algum projeto, ou pro próprio ESTEC, e aí eles inventaram aquela chuva… mas, depois, o que vai resolver mesmo, é fazer um teto ali, baixinho, mas que a gente pudesse ter aquele mezanino como espaço de costura, ateliê, espaço até pra pintura… porque a gente não tinha ainda o prédio do lado. 

Carla Hossri: E chamava chuva departamental (risos).

Marcio Tadeu: É… chuva departamental (risos).

Mônica Sucupira: Ô, Marcio, eu vou interromper um pouquinho porque tem uma surpresinha pra você. E eu vou colocar aqui uma surpresinha pra você e pra todos nós… (insere o vídeo relato do Paulo Betti para o Marcio)

Paulo Betti (em vídeo): Oi, Marcio! Marcio Tadeu! Eu soube que a Carla ia te entrevistar e quis te mandar esse recado, dizer que eu lembro com muitas saudades do… com muito carinho, nossos tempos do Pessoal do Victor, da Escola de Arte Dramática, da Unicamp… da EAD e das nossas viagens naquele fusca que eu tinha… você sentado no banco de trás com a Marcília e com o Reinaldo. A Eliane ali na frente. Todos nós, vocês dividindo a gasolina… e a sua importância no Pessoal do Victor e no período da escola. Sempre te achei um talento maravilhoso e foi um grande aprendizado ter convivido com você, Marcio. Sua participação como ator, você como aluno da FAU também, trazendo toda a sua experiência ali pra dentro do Pessoal do Victor, não tenho como dizer… Um beijo (gesto), saúde e felicidade (gesto de beijo). Tudo de bom, Marcio!

Marcio Tadeu: Que booooommm! Delícia! Emocionante!

Mônica Sucupira: E agora, quem continua? Quem continua, Carla?

Carla Hossri: Agora temos a Ana. Vai, Aninha…

Ana Célia Padovan: Ô, Marcio, nós, alunos, tivemos o privilégio de ter cenários e figurinos desenhados por você, lá no departamento de artes cênicas. Mas a gente ouviu de vários alunos que foram dirigidos por você… Além do cenário e figurino, tiveram a direção também… pessoal do (Os Sofrimentos do Jovem) Werther, do Romeu e Julieta, e essas pessoas, eles falam que, além da experiência artística, foi uma experiência humana com você. Então, como que é isso, como que se dá essa relação? Já uma experiência artística ela é humana, mas esse potencial humano das relações é super bem desenvolvido. Então eu queria perguntar isso: como que se dá essa relação do artista com o pessoal, com os alunos? E como é quando você exerce todas essas funções como artista, como cenógrafo, figurinista, diretor… você já tem essa ideia pré-concebida do espetáculo? Como é a relação com o pessoal, com os alunos no caso ali os atores-alunos, eles são criadores juntos? Conta um pouco pra gente como que se dá essa relação?  

Marcio Tadeu: Ó, são todos criadores junto. Uma questão pra mim, principalmente, eu até começar com o Teatro dos Benditos Malditos, no Romeu e Julieta, eu nunca tinha dirigido. E eu acho que, assim, a arte, principalmente a direção, você tem que estar junto. Eu só consigo fazer com uma certa libido, eu tenho que estar apaixonado… e nessa classe aconteceu isso, foi uma classe que, de repente, tinha uma coisa, um grude, era feliz de estar junto… aquelas coisas todas. Então, pra criar você tem que ter isso também. Então, o Gira de Romeu e Julieta foi a primeira montagem com eles, nem era grupo, nem era nada. Começou em aula porque eu estava falando sobre o Shakespeare, comecei a falar sobre o espaço shakespeariano, que é um espaço esférico, onde não tem… qualquer bloqueio cenográfico ele atrapalha. Então é um espaço aberto onde o ator é o centro e ele tá atuando pra todos (gesto circular desenhando um cilindro no ar). Então, esse conceito é completamente diferente do espaço cúbico, que tira o público do cubo e ele vê lá de fora, o espaço italiano, a caixa. Desde o começo do teatro, com o ritual, são espaços esféricos. Eu estava falando muito sobre isso, e as dúvidas foram milhares e eles falavam “Mas como que é esse espaço esférico? O ator fica girando?” Ó o Gira já… “Ele fica girando?” Eram tantas dúvidas e dúvidas incríveis! E eu falei assim “Olha, só dá pra explicar com a gente fazendo na cena”. Escolhemos três cenas pra fazer e eu explicar na cena. Pedimos um horário numa das salas e começamos a fazer. E daí, sabe quando pega fogo? E eles falavam… “Não! Vamos pegar mais…” Daqui a pouco a gente viu que tinha quase o Romeu e Julieta inteiro feito! E de uma maneira que eles estavam se jogando e era… e as pessoas que assistiam falavam… “Nossa! Que forte!” Então foi a primeira direção e a partir daí esse grupo falou assim: “Não! Temos que continuar!” Não tinha nome e daí tinha uma frase da Fernanda Montenegro, que ela falava assim sobre Plínio Marcos… “benditos os malditos”. Daí a gente falou “olha! Um nome pra…”. Daí pusemos esse nome. E aí veio o Werther, que é outra paixão! No Werther, eu falo assim… “Nossa! Teve alguma Festa de Primavera porque três das atrizes ficaram grávidas, né, daí no Werther tiveram que ser substituídas, mas essas crianças, elas depois entraram em cena n’As Nuvens! O prólogo d’As Nuvens, era elas vestidas de gregas, com as crianças. Então, era lindo, né, a coisa vai se somando. 

Falas sobrepostas.

Mônica Sucupira: Vou só dar um aparte aqui… é uma lembrança que todos têm desse trabalho, todos que a gente conversa, todo mundo fala dos Benditos Malditos, todos falam de Romeu e Julieta… então acho que foi um momento muito precioso pra quem tava lá, fazendo isso com você.

Marcio Tadeu: Acho que sim. Pra mim, ó, pra mim é inesquecível… Depois que se formou a gente ainda fez aqui, fez em Santo André… e depois as pessoas tiveram… uma que voltar pro seu país, outra pra… e acabou dispersando. Mas, mesmo assim, depois da formação teve quatro montagens. Uma que era O Sujeito Barrado, que era o Hamlet por Lacan. O (Jacques) Lacan fez um estudo, assim, com bisturi, no Hamlet… então eram as palavras do Lacan e a nossa visão daquilo, também, pro Hamlet. Chamava Sujeito Barrado. Depois teve um Titus Andrônicus, depois da guerra do Golfo, toda aquela coisa… a gente fez um Titus via Guerra do Golfo, uma versão. Depois ainda teve uma peça do (Fernando) Arrabal Jovens Bárbaros de Hoje. Inclusive o Arrabal assistiu a nossa montagem! Porque, assim, a gente fez e ele (na ocasião) veio pra uma Feira de Livros de Porto Alegre. E aí, passou por São Paulo, pra fazer entrevistas e tudo, e foi assistir na Três Rios, naquela salinha lá na Três Rios. Nós fizemos uma apresentação pra ele, e ele assistiu e falou assim: “Olha, eu adorei! Eu gostei muito, porque essa peça é uma peça que adoro e que ninguém faz, ela teve pouquíssimas montagens… vocês fizeram e, as montagens que eu tenho aqui no Brasil, por exemplo: as da Ruth Escobar, né, sempre foram graaaaaaandiosos espetáculos. E o de vocês é absolutamente simples e é lindo, não fica atrás de nada!” Então, assim, nossa! Eu falei assim “Uuaaaaaaaaah!” Então, essas coisas é que valem. Agora, quando o grupo… E tem mais uma peça que é de dois atores, que chama Leon e Sônia, que é… Teve uma época, o (Liev) Tolstói e a mulher eram um casal que tinha brigas homéricas! E vai ter um tempo em que o Tolstói escrevia coisas terríveis dela no diário dele e deixava o diário lá. Daí, quando ele saía, ela pegava e lia e ela ia pro diário dela e praticamente respondia aquelas ofensas que ele fez. E daí ele pegava o dela e… então, assim, era uma peça sobre esse ‘box’ do Tolstói com a mulher. Dois atores… Então essa foi a última montagem do Benditos Malditos. 

Carla Hossri: Aninha! Quer complementar? Ana?

Ana Célia Padovan: Então, eu ia complementar a pergunta, mas caiu a minha conexão… Não sei se o João ia fazer um aparte. Mas eu posso perguntar aqui e depois o João fala, então. Eu acho que você já respondeu como aconteceu no Romeu e Julieta, que veio da aula, mas o complemento da pergunta é: como é que se dá essa relação entre o artista e o professor? O professor complementa o artista, o artista complementa o professor, eles se alimentam? Se você sente que há um ganho como artista, ou se há um ganho como professor. Ter as duas coisas juntas, mais ou menos isso. 

Marcio Tadeu: É um ganho pra todos, eu acho. Porque tem uma coisa assim, vou voltar lá na infância… Eu tive pais maravilhosos, então, assim, eles de certa forma me entregaram um DNA. Minha mãe era uma costureira fantástica! Ela trabalhava com costura, e eu fui criado no meio de panos, vendo cortar moldes, lidar com freguesas maravilhosas e freguesas dificílimas; e como ela tinha essa coisa, e os detalhes… então, assim, fui criado nisso, e o meu pai, meu pai era professor. Então, assim, tinha uma biblioteca… ele era pesquisador. Outra coisa, ele era o cérebro da casa e minha mãe era a ação (risos). Sabe essa coisa… Meu pai falava assim “Ai, uma goteira ali!” minha mãe já tava com a escada subindo no telhado. Então tem essas… eu acho que eu herdei coisas dos dois, né, e isso, esse material… o ator veio acho que de mim e, também, minha mãe contava histórias. Ela tinha um jeito de contar histórias… eram baianos os meus pais, e eu comecei lá e vim estourar em São José do Rio Preto. E de São José do Rio Preto fomos pra Pereira Barreto, uma colônia japonesa, e de Pereira Barreto pra Taubaté. E de Taubaté…

Mônica Sucupira: Ô, Márcio, deixa eu aproveitar que você entrou no assunto da família, e perguntar… alguém desenhava na sua casa? Alguém construía, alguém pintava, além da sua mãe, que era, que já devia ter o dom do manual, né?

Marcio Tadeu: É! Do manual… Ninguém! Essa coisa do desenho é uma coisa minha. E tinha, assim… eu faço muita colagem. Eu trabalho muito com… é uma linguagem que eu uso muito, de juntar, justapor imagens. E minha mãe falava, assim, de eu menininho, pequenininho… tinha bala que tinha aquelas figurinhas, e eu, com a tesoura, recortava minuciosamente aquelas coisinhas pra colar em outro lugar…

Mônica Sucupira: Então era uma coisa muito própria e sua, né? 

Marcio Tadeu: É, eu acho que é minha. Eu não tenho outro parente que tenha esse…

João André Garboggini: Ô, Marcio, você tá falando umas coisas que eu me identifico tanto, e eu acho que eu sempre me identifiquei muito com as suas aulas e, então, eu tenho uma memória da minha experiência com relação a você na Unicamp, com muito carinho mesmo. Eu tava hoje aqui, pra entrar e fazer essa pergunta e eu tava pensando… “olha, eu vou começar falando de mim pra poder falar do Marcio”. É por isso que eu me interesso pela… eu perguntei pra mim mesmo assim, “eu não vi muitas coisas do Márcio, mas eu acho que eu acabei sabendo muita coisa sua, porque…” inclusive tem um parênteses aparte, que a última vez que eu encontrei você, – você não vai lembrar, mas eu lembro nitidamente -, foi numa fila do cinema, da Mostra Internacional de Cinema, em São Paulo, eu cheguei e você tava na fila, e eu te vi e falei assim… “que legal encontrar o Marcio, que gostoso!” E tinha uma pessoa do seu lado que não estava com você, e eu achei que ela estava. E achei muito engraçado porque a gente conversou e eu achando que aquela pessoa estava com você e ela não estava. Você tava lá na fila, encontrei, e depois eu não te vi mais. E eu sabia, eu conhecia o Christian, bastante, o pessoal dos Benditos Malditos e tal, então a gente sempre ouvia falar do Marcio, pô, que delícia, que saudade! Então sempre tem uma memória relativa ao que eu fiz de teatro, muito pelo cenário da Mafalda e, também, como foi o João Albano que dirigiu, eu tinha acabado de ver uma peça que se chamava “No Natal a Gente Vem te Buscar”, que é do Naum Alves de Souza, que você fez o cenário e o Albano que dirigiu. Então, nessa fase, o trabalho em parceria com o (João) Albano de onde veio? Você falou que veio da EAD, mas teve outros, teve o grupo do Soffredini… Esse diálogo entre o grupo do Soffredini e o Pessoal do Victor, do grupo Mambembe?

Marcio Tadeu: A nossa classe da EAD, quando a gente saiu, um monte de pessoas espirraram, que não quiseram ficar no Pessoal do Victor, o que vai ser o pessoal do Victor depois, né? Eu acho que vocês já entrevistaram outras pessoas e sabem a origem do nome Pessoal do Victor. Esses outros colegas, os que não foram para o interior, os que voltaram pra Minas… ficaram por aqui, e a gente acaba sempre se trombando. Então, assim, o Albano era uma criatura adorável, né? Eu sempre gostei muito dele, ele vivia me solicitando pra essa coisa de cenografia e figurino, no Zoo History e uma série de espetáculos que a gente fez junto. Eu sofri muito, fiquei mal quando ele morreu, porque foi uma morte muito repentina, era um companheirão, uma pessoa muito querida.

Mônica Sucupira: Ô, Marcio, acho que a Carla… deve ter caído a conexão dela… eu queria completar só mais uma pergunta em relação à Unicamp: você tem uma trajetória enorme do começo até agora, no curso de Artes Cênicas, você tá lá desde sempre, você fundou… da década de 80, final de 70 pra cá, a mudança é muito grande em termos de sociedade e política, a necessidade do próprio teatro… enfim, o aluno de teatro mudou? Como que você via a primeira turma e agora, recentemente, as últimas turmas? A vontade, os desejos, a estética, o pensamento? Como é que você vê hoje o aluno de teatro? 

Marcio Tadeu: Eu vejo… A primeira mudança que a gente sentiu era que também cada vez mais os alunos entravam muito jovens, cada vez gente mais novinha entrando e que não tinha ainda uma noção exata do que queria, tinha esse fluxo da Unicamp, então, burilar essa matéria que ainda estava se formando. Mas, hoje, a gente tem um panorama outro, porque você tem cotas pra indígenas, cotas e etc., etc., então você tem vários indígenas no departamento de Artes Cênicas, eu não sei como eles estão reagindo, o possível entendimento deles de uma aula de (Jerzy) Grotowski, por exemplo. Então, como é que se passa isso quando eles têm o Grotowski aqui, pronto. Como fazer essa ponte, esse entendimento, essas coisas… eu não sei o quê… A Helô me passa, porque ela tá mais próxima, é que muitas vezes eles têm uma angústia de estarem fora da natureza, fora da tribo, fora de… mas, não sei como resolver, não tenho informação sobre como está se dando essa recepção de um grupo indígena nesse curso de teatro. 

Mônica Sucupira: Aliás é um belo documentário a ser feito, né? Seria bem interessante.

Marcio Tadeu: A ser feito… é! E ao mesmo tempo, como que os alunos e a Unicamp tá recebendo deles coisas, porque às vezes entra como uma… pela cota, até assessoramento psicológico… eu não sei como tá, desculpa, eu não tenho informação sobre essa questão.

Mônica Sucupira: Mas o que você falou sobre a questão da idade, eu me lembro que a minha turma, que foi a primeira turma, a minha e a da Ana, todos já tinham feito teatro de alguma maneira. Todos já tinham uma experiência, acho que somente o Washington (Gonzales) que nunca tinham feito teatro, mas todos da turma já tinham feito, tinham estudado… tinha pessoas que já tinham grupos… enfim, e depois de um certo tempo eu reparei que eram pessoas que não sabiam nada de teatro, era uma ideia completamente diferente. (tempo) Eu não sei se o João ou a Ana querem fazer mais uma pergunta… A gente tem mais uma surpresa pra você. A Carla acho que caiu de uma vez… Você quer falar alguma coisa, Ana? João? Eu tenho mais uma surpresa pra você…

João André Garboggini: Ah, depois eu quero fazer mais um agradecimento pra você no final também.

Ana Célia Padovan: Marcio, aproveitando então que você tá falando dos alunos, que a Mônica perguntou… Eu tive contato com você na Escola Livre de Teatro em Santo André, sei que atualmente você tá na SP Escola de Teatro e na Unicamp também. Você dá ou deu aula em mais algum lugar? 

Marcio Tadeu: Não! Na Unicamp eu não tô dando aula, porque tem essa questão da Quadrienal de Cenografia de Praga, então, nesse momento da Quadrienal, eu oriento alguns alunos para a Quadrienal de Praga, porque eles têm que fazer um trabalho a partir de um tema… então eu dou essa orientação. A Quadrienal de Praga é também uma coisa maravilhosa! Eu não sei que informação vocês têm sobre… 

Mônica Sucupira: Fala um pouquinho sobre. Eu sei mais ou menos o que é, mas fala um pouquinho sobre isso.

Marcio Tadeu: O que é a Quadrienal de Praga? No Brasil, na cenografia brasileira, tem muita participação de artistas plásticos… Tomie Otake já fez pra ópera (Madame) Butterfly, e quando foi aberta a primeira Bienal de SP, em 1951, a Bienal, como uma abertura, resolveu expor cenografia, porque tinha Lasar Segall, todo esse povo fazia cenografia. E aí também falaram assim: “Vamos chamar cenógrafos internacionais pra expor também”, e um desses cenógrafos era o Josef Svoboda, uma grande estrela tcheca da cenografia. E o Svoboda chegou aqui e falou: “Gente! Isso é revolucionário! Não há exposição no mundo que faça… que exponha cenografia”. E aí ele voltou enlouquecido pra Praga, e é ele quem vai bolar essa exposição de 4 em 4 anos, uma quadrienal que exponha resultados, curadorias sobre tudo que foi feito no mundo em termos de cenografia nessa exposição. E, com o tempo, eles vão colocar também as escolas de cenografia como expositores. Então, isso é fundamental, a pessoa que tá aprendendo, ela fazer um projeto que vai pra uma exposição internacional, e na maioria das vezes os alunos também conseguem ir… Um aluno, que tá aqui em Barão Geraldo, que vai pra Praga, ele volta escancarado.

Mônica Sucupira: Vocês já ganharam prêmio na Quadrienal, não ganharam?

Marcio Tadeu: A Quadrienal dá um prêmio geral no ano, a tal da ‘Triga’, e teve ano em que o Brasil ganhou e tinha nossas equipes, tinha a Unicamp lá também nesse ‘ganhou’. Então, só pra especificar… tinha um momento da Quadrienal de Praga em que ela dava para os estudantes uma coisa que chama Cenofest. A Cenofest: eles davam um tema para todos os alunos que quisessem se inscrever. E num ano foi assim: Lear, “Rei Lear para os nossos tempos”. Esse “Lear para os nossos tempos” cada aluno tinha um professor orientador e fazia um projeto. Esse projeto, o projeto que eu fiz com dois alunos nisseis, a Luciana Mizutani e o Ricardo Harada, era um projeto do Lear para o Horto Florestal, aquele espaço lá de Campinas, então a gente locou o Lear em todo aquele espaço e ainda a gente trabalhou com ritos do Candomblé. Então, assim, era um Lear afro para aquele espaço, e esse projeto foi pra lá. E o que acontecia? Todo dia, às nove da manhã, tinha um grupo, uma banca de cenógrafos internacionais da maior importância… cenógrafo do (Jerzy) Grotowski, cenógrafo do Peter Brook etc., que iam e sentavam na frente do projeto do aluno. O aluno tinha que fazer uma explanação, em inglês, dizendo o que era aquele conceito. E aí os cenógrafos apunhalavam de todo lado, apertavam e puxavam, faziam perguntas de todo… Então, depois de onze ou doze dias, de você assistir isso, você tinha um PHD sobre (a peça Rei) Lear! Eu, os alunos… porque você viu todas as possibilidades e ainda abriu pra milhares de outras, porque as perguntas sobre… então vejam a complexidade e a importância dessa exposição para os alunos.

Mônica Sucupira: E é uma experiência não somente pro aluno, mas é uma experiência pro profissional dessa área, né?

Marcio Tadeu: Pro profissional, pro orientador então! Eu tava assim ó (gesto com a mão) na hora de começar. E eles começaram muito… antes de começar, falaram assim “vocês devem estar achando que esse trabalho veio de algum lugar do Oriente, mas nós viemos do Brasil!” Daí já quebrou o gelo, as pessoas já riram (risos). É muito importante isso. 

Mônica Sucupira: Carlinha, vc quer falar alguma coisa? (tempo) Eu acho que você tá sem som…

Carla Hossri: Cês tão me ouvindo? Acabaram as perguntas ou ainda tem a da Aninha? 

Mônica Sucupira: Acho que tem a da Ana, né?

Carla Hossri: Antes de terminar, eu quero falar uma coisa pro Márcio, mas, vai lá Ana. 

Mônica Sucupira: Hoje todo mundo quer falar uma coisa pro Márcio (risos)

João André Garboggini: Ó eu tô na fila aí, heim.

Marcio Tadeu: Tá bom. Que bom!

Ana Célia Padovan: Eu acho que eu fiz a pergunta… eu tava perguntando sobre as escolas de teatro… a não ser que o Márcio queira falar. É que a gente fica curiosa, como é a Unicamp em relação a outras escolas de teatro. O que que falta, o que que sobra na Unicamp. Mas acho que o que o Márcio trouxe aqui de fala, de história, já dá uma história bem grande pra gente. Não sei se o Márcio quer completar com alguma coisa.

Marcio Tadeu: É, essa coisa da cenografia para o ator. É claro que é um curso, por exemplo, seis meses de cenografia, seis meses de figurino, não é pra… jamais pensei assim, formar um cenógrafo, não é esse o objetivo. Se algum dos alunos tem um dom especial, fala assim “ah, gostei”, eu pego pela mão de uma outra maneira e encaminho de outra maneira, mas a função é de que o aluno, o ator, entre em contato com o processo de criação disso, porque isso vai dar pra ele uma entrada e uma aproximada muito maior pra cenógrafos e figurinistas. Eu adoro, é uma coisa minha, atores que já no primeiro ensaio já trazem simulacros. Então assim, no primeiro ensaio já amarrei um pano e não sei o quê… porque isso tá falando comigo, eu tô vendo como o ator tá imaginando a personagem dele, e eu vou trabalhar também em função disso. Às vezes eu vejo que é uma pista falsa e daí eu também tenho tempo de desmontar isso, conversar com ele. O pior de tudo é trazer um figurino pronto e falar “veste”. Não existe, sabe por quê? O cenário e o figurino, eles têm o fator humano, então, eu posso expor um cenário como uma escultura maravilhosa, mas ele só vai ter vida quando o ator entra ali e o ator trabalha com esse cenário, ele tem a noção do que… senão você tem coisas assim, um ‘cenarião’ e um ator que não dialoga com o cenário, não dialoga com o espaço. Você entende os dois, você entende a personagem e entende o espaço. Quando o ator entende e ele traz essa atmosfera, as coisas se fundem, ficam um, e daí você não vê mais cena, você tá no fluxo, né? Quando eu ouço falar assim “ah, a peça era uma merda, mas o cenário era maravilhoso!” Isso eu falo assim “tá tudo errado! Tá tudo errado!” Isso não pode existir. Existe, eu entendo… 

Carla Hossri: Ô, Marcio, é que eu quero falar uma coisa que tem a ver com isso. Você não vai lembrar, lógico, mas eu nunca esqueci. O primeiro exercício que você deu pra minha turma, em aula, foi a gente fazer o positivo e negativo, branco e preto, uma colagem, lembra? E eu desesperada que não sei desenhar nem uma casinha e todo mundo elaborando lá as coisas… eu lembro que eu falei “bom, eu vou fazer o que vier, o impulso”, porque eu sou muito assim. Aí, eu desenhei em quadrinhos no preto, em quadradinhos brancos, desenhei os predinhos que iam se movendo passando pra outro lado, e terminavam na diagonal do outro lado com a cor oposta, né, então tinha esse movimento. Aí você mandou todo mundo colocar lá em cima da lousa e eu lá morrendo de vergonha, achando que era infantil e tal… E você escolheu o meu como exemplo dizendo que o meu era o mais teatral! Aquilo pra mim… aquilo pra mim… eu contei até pra Helô! Mas foi um encorajamento, sabe, uma coisa que me bateu, que eu comecei a prestar atenção no espaço cênico, abriu pra mim um leque de possibilidades, só porque você falou isso. Olha que louco!?! Eu nunca mais esqueci. Eeeee que lindo! Eu guardo até hoje isso. Você falou “esse é o mais teatral.”

Marcio Tadeu: Olha, eu sou franco, eu não lembro isso que você falou, mas adorei isso! Adorei o que você falou. Era isso, era isso que precisava.

João André Garboggini: É por isso que eu vou repetir assim, com o márcio Tadeu não tem como a gente não rasgar a seda, né? Principalmente porque é o tecido, né, então essa coisa do figurino, do cenário, da noção… quando você fala do ator com o cenário, é o ator e o espaço, que é um negócio fundamental. 

MÔNICA SUCUPIRA: Ô, gente, então vamos para os elogios finais que eu tô louca pra colocar uma outra surpresa pro Márcio. Então vamos aos elogios finais ao Márcio.

João André Garboggini: Isso que a Carla falou é o insight. Então, são coisas que fazem parte do nosso trabalho criativo, o insight. Então só tenho a agradecer mesmo, sabe. E rasgar quantas sedas forem necessárias! Abraço, Marcio. Eu sou fã.

Carla Hossri: Olha, isso é um insight, mas é o professor que deu isso, isso que eu acho bonito, não tô me vangloriando, mas é ele que falou… quer dizer, não existe o melhor, mas existe o que tem movimento, que é mais teatral. E é fantástico, eu falei “oh, aí, eu posso tentar o cenário!”.

Marcio Tadeu: Sem dúvida, eu vi tudo isso no teu desenho, na tua colagem.

Carla Hossri: Agora, você não sabe, você não sabe o que nós preparamos pra você, né, Monica?

Mônica Sucupira: Sim! Mas eu acho que antes de eu colocar a surpresona pra ele… que essa é uma surpresona, viu Márcio?

Marcio Tadeu: É? É? Ah, meu deus! Que medo!

Mônica Sucupira: Eu acho que se a Ana quiser falar alguma coisa, ou você mesmo, Carla, pra gente já chegar no final…

Carla Hossri: Quer Aninha?

Ana Célia Padovan: Sim, lógico, à oportunidade de estar aqui, ao Almanacdrops, né? (risos) Mas, Marcio, é um carinho muito grande que eu tenho por você, eu acho que você me influenciou muito; eu já tive oportunidade de fazer, além da Unicamp, outras aulas na Escola Livre de Teatro em Santo André, e tudo isso desde os figurinos lá do Arlecchino (peça do Dário Fo, montada em 1988), as suas aulas marcaram a minha atuação profissional como professora. Eu acho que eu sempre aproveitei muito dos seus ensinamentos. E isso como um grande mestre que eu tenho você, e como uma pessoa também que eu tenho muito carinho, porque eu acho você uma pessoa muito generosa. Então, muito obrigada por tudo, e sou feliz de estar participando disso.

Marcio Tadeu: Gente, obrigado a vocês! Eu fico muito emocionado com vocês. Esse é um encontro… obrigado por vocês proporcionarem isso pra mim.

Mônica Sucupira: Uma delícia encontrar você, Marcio!

Carla Hossri: Ô, Marcio, eu sempre falo, no final, como é que a gente não saiu pra tomar cerveja mais vezes, pra conversar, né? A gente tem que fazer isso agora, depois que tomar vacina. Ó, calma, que tudo aqui foi feito com muito carinho pra você.

Marcio Tadeu: Eba! Que bom! Obrigado, gente.

Mônica Sucupira: Bom, vamos então à grande surpresa pro Marcio. Marcio, é uma pessoa muito querida a você e que fez questão de estar aqui presente pra falar com você, de alguma maneira.

Celso Nunes (em vídeo): (Segura um quadro, um desenho enquadrado) Márcio, querido Márcio Tadeu! Você já me viu como Dostoievski, (troca o quadro por um outro); você já me viu como personagem de gibi, numa alegoria erótico-política, no interrogatório. (troca o quadro por um outro) Você Já me viu também em Equus, época da Laranja Mecânica, você se colocou na copa de uma árvore e olha eu ali, com Regina no meu peito, crianças já nascendo, e um cavalo, que é a presença de Eros nos teus quadros… (tira o quadro do foco e move a câmera para si) E, agora, meu filho, olha pra isso. Olha o que a vida fez com esse velhiiiiinho… época de pandemiiiia, pelo amor de Deus! Você vai lembrar, passou tanto tempo, mas esse quadro é teu (posiciona a câmera para filmar o quadro na parede), todos os mitos afundam no mar, no momento em que eu deixava o eixo Rio-São Paulo (caminha por uma área a céu aberto), me aposentava da Unicamp e começava um trajeto pra longe da cidade grande. (Tira o boné) Sem fantasias! (Tira os óculos escuros) Sem pandemias! (Tira a máscara anti-covid) Sem máscarasssss! Querendo te mostrar muito o que tá no meu peito, a gratidão que eu tenho aqui pra te oferecer e pra dizer que sempre foi uma colaboração inestimável a que você pode me dar, seja nas minhas direções de teatro, seja como um professor tão querido dos alunos no Departamento de Artes Cênicas da Unicamp. (Vai caminhando de modo a deixar o mar aparecer às suas costas, o sol iluminar seu rosto) Eu quero, do tamanho desse oceano, por toda tua colaboração, por toda tua amizade, por todo teu carinho, deixar aqui registrado o meu muito, muito, muito obrigado! (permanece sorrindo por um tempo e desliga).

Marcio Tadeu: Nooossaaa! Aaaaaaai! O Celso é um mestre! Ele é que é um grande mestre, que formou todo o grupo, toda essa coisa… É uma relação muito gostosa, eu sempre tive uma relação muito forte também com ele. Tem pessoas assim… uma outra pessoa do Pessoal do Victor , que  eu senti particularmente muito a morte, foi o Adilson Barros, né? A morte do Adilson foi… (gesto de surpresa e sufocamento) foi um certo abismo, porque tinha uma coisa assim… essa década, final da década de 1970, 1980, o Pessoal do Victor tinha casais: a Marcília e o Reinaldo eram um casal, Paulo Betti e a Eliane eram um casal e, por exemplo, acabava a peça, então a gente às vezes ia pra um restaurante da classe, uma coisa, e depois os casais se recolhiam, né, e ficava eu e o Adilson que eram os singles, né? E os singles iam para as boates, pra gandaia! E a gente era muito cúmplice. Eu cobria ele numas coisas e… Então era uma coisa muito forte também e a morte do Adilson me tocou de uma forma muito, muito dolorosa. Mas o Celso, o Adilson, nossa! Essas pessoas são muito… A Marcília e o Reinaldo, que eu tenho o grupo até hoje, que são queridos e a gente trabalha… tem essa tesão, essa libido que eu tava falando! São pessoas que você é apaixonado sempre e você quer estar sempre meio junto. Ontem, ainda, eu liguei pra Ana, porque o Celso tinha me mandado… porque ele me falou assim: “eu tô fazendo um desmonte, porque provavelmente eu vá pra um lugar muito pequeno, que não tem espaço de nada e tô me desfazendo de… eu tenho uma pilha de desenhos teus, de projetos de cenários, rascunhos…”  E ele me mandou. Eu recebi e tinha o endereço, mas não tinha o telefone e eu tinha o telefone dele em algum lugar que eu não achava, então, eu liguei pra Ana e ela me passou. Daí falei com ele e hoje veio essa surpresa, ah, que coisa! 

Carla Hossri: Mas eu fiquei sabendo, também, que você recebeu também um desenho do Flávio Império…

Marcio Tadeu: Do Flávio Império! Ele me mandou de presente! Nossa!

Carla Hossri: Sabe quem me contou? A Helô contou! Eu não sei – porque caiu a conexão aqui em casa e eu tô falando do celular agora -, que vocês têm um núcleo também na Unicamp, de cenografia, que você dá aula, ela dá aula.

Marcio Tadeu: Tem! Essas aulas são via… às vezes, sim, eles pedem uma aula, mas na maioria das vezes são as orientações pra Praga ou coisas, eventos que são formados assim. (tempo) Nossa!

Mônica Sucupira: Eu acho que a gente pode te agradecer o encontro.

Marcio Tadeu: Vocês me matam! (risos) que bom!

Mônica Sucupira: Olha, eu vou falar uma coisa… você falou que você é tímido, mas você não é tímido nada, a gente tem que ficar brecando você, pra você parar de falar pra gente poder perguntar. Ô, Márcio, eu acho que o que você falou foi tão legal, porque quando você falou sobre a sua primeira experiência de ver na televisão o teatro, e que você não dormiu a noite inteira, e que você desejou fazer isso… eu acho que você desejou essa coisa até hoje, você tem um grande prazer, uma grande alegria de estar falando, de estar contando a sua história, esse percurso… e que ainda tem esse tesão e esse prazer pelo teatro. Eu acho que você conserva até hoje essa experiência que você teve lá na sua Taubaté. Eu fiquei muito feliz com o encontro com você hoje. Muito obrigada!

Marcio Tadeu: Que bom! Eu também! Eu tô emocionadíssimo com vocês, que bom que vocês me proporcionaram isso, gente! Eu que agradeço. Muito bom!

Carla Hossri: A gente proporcionou isso, porque você já tinha proporcionado isso pra gente antes, é uma troca. (beijos) Viu Marcio, não tem jeito. Muito obrigada por tudo!

Marcio Tadeu: Obrigado a vocês, queridos! Obrigado! Obrigado! Se cuidem, se cuidem muito!

Carla Hossri: Você também, (beijo). Tchau! 

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