Em 1970, acho, propus ao Reitor Zeferino Vaz a criação do Instituto de Artes. Inicialmente haveria uma comissão com o objetivo de elaborar uma proposta. Foi composta de quatro professores com algum apreço às artes: Marcelo Damy, Diretor do Instituto de Física, Aristodemo Pinotti, não me lembro se à época era ou não Diretor da Faculdade de Medicina e o Coordenador dos Institutos, um especialista em orquídeas.
Pouco após a formação dessa comissão, o Reitor Zeferino Vaz teve um ataque cardíaco. Aparentemente foi sério, pois logo se formou um grupo de conspiradores. Eu ouvia algumas notícias por terceiros. Dizia-se que o bolo já estava dividido. Não me envolvi. Mas, eis que Zeferino ressuscita e reassume a reitoria. E as cartas estavam jogadas. Surge então um plano para derrubar o velho e astuto guerreiro. Soube-se de reuniões secretas, tentativas de recorrer ao governador. Aparentemente, Zeferino Vaz, embora habituado a essas tradições (ou deveríamos dizer traições?) do mundo universitário, ficou enfurecido. O grupo de conspiradores fez, enfim, uma besteira: publicaram no Diário do Povo, hoje extinto, um artigo dando as razões por que achavam que Zeferino estava ultrapassado, mas incluíram meu nome dentre os descontentes. Eu nunca havia sido incluído no grupo de conspiradores. Nem sequer consultado fui sobre o assunto. Acho que pensavam que eu era um imbecil. Escrevi então um artigo relatando as razões dos conspiradores. O Diário do Povo não aceitou, o então dono me disse pessoalmente, porque era inimigo do Zeferino. O Correio Popular publicou.
O Coordenador dos Institutos foi imediatamente destituído. Zeferino me nomeou Diretor do Instituto de Física em lugar de Marcelo Damy. Não sei o que aconteceu com Aristodemo Pinotti. Logo após venceu o contrato de Damy. Vieram comissões de físicos, inclusive alguns amigos, Newton Bernardes, José Israel Vargas etc. pedindo-me para poupar o Damy, ou melhor, recontratá-lo. Confesso que hesitei. Mas na minha vida nunca me arrependi de minhas maldades, só das benevolências. Não renovei o contrato de Damy, Pinotti entrara no ostracismo ou coisa parecida. Com isso a comissão para planejar o IA ficou reduzida unicamente a mim. Nunca fui nomeado diretor ou coordenador do IA. Apossei-me do cargo.
Contratei inicialmente alguns músicos. Fiz um “trato” (acho que nunca foi oficializado) com o Prefeito Magalhães Teixeira. A UNICAMP contrataria os principais e o maestro, e a Prefeitura, o corpo da orquestra. Havia uma orquestra “amadora” em Campinas com alguns músicos de qualidade adequada.
Passei então a procurar um Diretor. O primeiro que entrevistei foi Guilherme de Figueiredo, um dramaturgo de sucesso então. Não me lembro por que não deu certo, embora ele se mostrasse interessado. Em seguida assediei Koelreuter, que tivera muito sucesso numa organização similar na Bahia. Apresentou-me uma lista de futuros membros do IA. Vários alemães, inclusive a sua esposa. Também incluiu uma ex-esposa, acho, a única brasileira. A única pergunta concreta que me fez foi sobre qual seria a marca do carro que receberia.
Enquanto isso, fui contratando alguns profissionais, 2 ou 3 pintores, alguns músicos, 2 especialistas em comunicação visual. Ouvi falar do sucesso de um grupo de jovens talentosos que apresentavam uma peça teatral em São Paulo, extraída de um livro de Antonio Cândido. Fui ver a peça. Convidei-os. Poucos meses depois, José Ripper Filho me falou de um amigo no Rio. Era um Diretor de Teatro e, como pude constatar, de muito talento. Convidei-o e ele aceitou.
Com a morte de Zeferino e a invasão da gestão acadêmica por ineptos, demiti-me da Coordenação Geral das Faculdades. Permaneci no Conselho Universitário para defender o IA. Mas isso não durou muito. Não aguentei a mediocridade, para dizer o menos, que lá imperava. Não fui suficientemente forte, ou paciente para aguentar. Indiquei um jovem professor da Engenharia, Yaro Burian, que vinha do ITA, mas que tocava violino. Foi minha última ousadia e deu certo. Não tiveram coragem de colocar um cupincha na direção do IA. Isso é tudo que sei sobre os primórdios do IA, pois logo me afastei da UNICAMP. Como o “Grande Meaulnes”, fui para outros aprendizados. Já sabia jogar sujo, ou melhor, já tinha experimentado a política universitária. E o pior é que acho que até gostei um pouco. Mas este é o meu lado maligno.
Tenho dificuldades em raciocinar sobre qualquer forma de arte. A arte se vive. Não saberia dizer por que me encanto com o pequeno vaso do período Qianlong que tenho em minha frente, ou por que preciso escutar a Missa em Si de Bach, pelo menos uma vez por mês. É claro que não é meramente um impulso intuitivo, é um longo aprendizado. Talvez seja porque vemos flores, um peixe nadar, ou ouvimos um sabiá chamando a companheira, praticamente desde que nascemos. E de que este impulso seja parte integral do que é ser humano. E a obrigação da Universidade é fazer do animal humano um homem, um ser criativo, sensível, decente. E sem o que a Universidade se degrada em uma simples formadora de profissionais quase humanos.